Monthly Archives: agosto 2023

A dor da beleza, maioria das vitimas do uso de silicone industrial são mulheres CIS e transexuais
   21 de agosto de 2023   │     0:00  │  0

A transformação do corpo como forma de afirmação da sexualidade das travestis na grande maioria das vezes é o seu maior pesadelo.

O uso do silicone líquido industrial como material para modificação estética no contorno corporal é uma prática realizada de forma clandestina há cerca de 60 anos.          Atualmente, a maioria dos relatos provém de países da Ásia e América do Sul e as vítimas são principalmente mulheres e transexuais. Devido ao grande número de casos com complicações, o uso do silicone industrial para fins estéticos nunca foi aprovado. Entretanto, continua a ser aplicado isoladamente ou associado a outros produtos, determinando graves complicações locais e sistêmicas.

A injeção clandestina de silicone líquido industrial para modificação do contorno corporal tornou-se popular há cerca de 70 anos, quando o silicone de grau industrial foi desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial para fins militares.

Desde a publicação de Andrews et al., em 19894, mostrando pela primeira vez as complicações locais e sistêmicas do silicone líquido em humanos, esse tipo de material teve seu uso contraindicado pela Food and Drug Administration (FDA) e pela antiga Divisão de Medicamentos (DIMED) no Brasil.

Atualmente, a maioria das vítimas são mulheres e transexuais provenientes de países da Ásia e América do Sul. Por falta de recursos para a realização de cirurgias plásticas, acabam recorrendo a profissionais não habilitados.

Apesar das proibições, o uso do silicone industrial para fins estéticos continua sendo feito isoladamente ou em associação com outros produtos, levando a complicações graves e potencialmente fatais.

Muitos são os relatos de  casos de paciente transexuais femininas, que apresentam injeções do uso do silicone líquido industrial em glúteos e na face anterolateral das coxas. Tal procedimento geralmente é realizado em ambientes domiciliar, por profissional não habilitados.

Maioria dos casos, após 5 dias iniciam quadro de sinais florísticos e epidermólise no local das infiltrações, sendo submetida a um desbragamento superficial.

O polidimetilsiloxano (silicone) é um composto formado pela conjugação do silício com oxigênio e metano. Na sua fabricação é inerentemente contaminado com impurezas, metais pesados e polímeros voláteis. Além disso, ao endurecer acaba liberando ácido acético, que pode ser responsável pelo dano tecidual inicial após a injeção. Essa combinação de fatores contribui para as graves complicações frequentemente observadas.

Além do seu uso isolado, o silicone também é intencionalmente associado a outros agentes com a finalidade de aumentar a inflamação e a fibroplasia nos locais de injeção, evitando a sua migração pela ação gravitacional. A fórmula de Sakurai é um exemplo conhecido da sua associação com azeite. Outros agentes esclerosastes utilizados são óleo de cróton, veneno de cobra e óleo de amendoim.

O termo siliconoma foi criado por Winer et al., em 19642, para descrever a reação de corpo estranho semelhante às já descritas após a injeção de óleo e parafina. Estas substâncias promovem um tipo equivalente de reação tecidual anatomopatológica, chamada de lipogranulomatose esclerosante.

Numa tentativa de eliminação, através da atividade fagocitária de macrófagos tissulares e de células sanguíneas circulantes, o silicone pode ser transportado por via linfática para órgãos à distância, levando a quadros de embolia. Além disso, a sua própria injeção intravascular pode resultar também em embolia imediata.

Neste contexto, em decorrência da natureza ilegal da prática, existem poucos relatos de reações agudas. Esses pacientes relutam em procurar atendimento médico, exceto em circunstâncias de risco de vida. As manifestações sistêmicas mais graves incluem comprometimento pulmonar, neurológico, cardíaco, hepático, gastrointestinal e sepses.

Do ponto de vista local, as complicações variam desde alterações da cor e consistência da pele até um processo inflamatório intenso com nódulos, ulcerações, necrose, abscessos e fístulas. São observadas também retrações e deformidades cicatriciais. O período de latência para o aparecimento dessas sequelas é variável, podendo chegar a até 30 anos. Portanto, a identificação e a punição dos responsáveis é frequentemente difícil.

Segunda a literatura, a eliminação completa dos depósitos de silicone é inviável, já que o silicone na forma líquida se difunde pelos tecidos profundos, formando ilhas de fibrose entre tecidos saudáveis. Dessa forma, a sua erradicação culminaria em ressecções muito ampliadas levando a sequelas ainda mais graves.

O desbridamento dos tecidos desvitalizados e a irrigação precoces podem minimizar o dano causado pela reação inicial de endurecimento do silicone e diluir os contaminantes. Além da intervenção cirúrgica, o uso de curativos antimicrobianos, antibióticos endovenosos e esteroides sistêmicos também é recomendado.

A enxertia de pele alógena, como curativo biológico, é uma opção até que o leito das feridas esteja devidamente preparado para receber os autoenxertos ou outra cobertura definitiva. Retalhos locais ou regionais devem ser usados para reconstruir áreas com exposição de estruturas profundas.

Apesar dos relatos de terapias adjuvantes como oxigênio hiperbárico, o uso de corticosteroides intralesionais e imunomoduladores tópicos, ainda não existem estudos suficientes validando a sua eficácia. Já a lipoaspiração não parece ser eficaz na remoção de tecidos impregnados com óleo fibrosado. A intensa fibrose local, por si só dificulta a aspiração com cânulas, bem como aumenta o risco de lesões de estruturas adjacentes.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proíbe o uso de silicone líquido de grau industrial em procedimentos estéticos, sendo sua aplicação considerada crime contra a saúde pública previsto no Código Penal. Para finalidades estéticas, o polidimetilsiloxano (silicone) é matéria-prima para inúmeros tipos de próteses e implantes, devendo ser manipulados por pessoas habilitadas e em ambiente hospitalar.

O uso exclusivo do produto médico que contém óleo de silicone autorizado pela Anvisa é para o tratamento de doenças da retina com a finalidade de promover tamponamento intraocular. Portanto, além de restrito ao médico especialista em oftalmologia, é vedada a sua utilização para preenchimentos faciais ou no tratamento do contorno corporal15.

Tags:, , , ,

É verdade que lésbicas não pegam infecções sexualmente transmissíveis ?
   19 de agosto de 2023   │     13:34  │  0

Há pouquíssimos estudos sobre a prevalência de ISTs comparando mulheres de diferentes orientações sexuais.

Existe um mito de que as lésbicas estão imunes a infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Essa crença, no entanto, não é verdadeira. Mulheres que fazem sexo com outras mulheres podem, sim, contrair uma série de infecções.

Há pouquíssimos estudos sobre a prevalência de ISTs comparando mulheres de diferentes orientações sexuais. O assunto também é pouco abordado nos consultórios dos ginecologistas, onde os profissionais presumem que as pacientes sejam heterossexuais.

De acordo com a ginecologista Iara Moreno Linhares, membro da Comissão Nacional Especializada em Doenças Infectocontagiosas da Febrasgo, a contaminação de ISTs entre mulheres que fazem sexo com outras mulheres é um tema oculto.

“Esse problema deve ser visto com seriedade. As mulheres têm o direito de requerer cuidados bem adequados para sua saúde. Há pouco material disponível na literatura e o assunto não é conversado, mas as consequências existem”, afirma.

A principal infecção transmitida entre mulheres

As práticas sexuais frequentes entre lésbicas são sexo oral, penetração vaginal usando os dedos ou objetos e atrito de vagina com vagina, segundo a médica. Com menos preferência, há penetração anal. Em todos os casos existe um ambiente propício para a transferência de bactérias e vírus.

“As infecções que ficam na vagina e no colo do útero podem ser transmitidas de uma pessoa para outra. Mas entre mulheres que fazem sexo com mulheres não há dúvida de uma prevalência maior da vaginose bacteriana”, diz a ginecologista da Febrasgo.

Trata-se de uma doença causada pela perda dos lactobacilos protetores da vagina. Em determinadas situações, as bactérias que vivem na região, principalmente a Gardnerella vaginalis, se proliferam e liberam um odor desagradável que lembra o de peixe.

Segundo a médica, muitas mulheres têm a moléstia e não sabem, porque nem sempre os sintomas são tão evidentes. Sem tratamento, a doença pode sair da vagina, invadir o colo do útero e facilitar a doença inflamatória pélvica.

Outras doenças que passam entre lésbicas

Os poucos estudos existentes apontam também uma prevalência maior de HPV e tricomoníase entre as lésbicas, de acordo com a médica.

O HPV, sigla em inglês para papilomavírus humano, é um vírus que infecta pele ou mucosas, provocando verrugas na região genital e no ânus, além de câncer do colo do útero.

“Quando há verrugas, o contágio não é tão comum, porque as mulheres normalmente olham os genitais da parceira e detectam a anormalidade. No entanto, o HPV intravaginal, aquele que causa alterações no Papanicolau, pode ser transmitido”, avisa a ginecologista, que também é professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Já a tricomoníase é causada pelo protozoário Trichomonas vaginalis. Trata-se da IST mais comum do mundo, que infecta 156 milhões de pessoas por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Menos comuns entre lésbicas, mas também perigosas, são a gonorreia e a clamídia. Quando a mulher está infectada, as bactérias Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis vivem no colo do útero e podem estar presentes na secreção vaginal. O contato com outra vagina facilita a transmissão das doenças.

A probabilidade de contágio é menor do que nas relações heterossexuais, quando há um microtraumatismo causado pelo atrito com o pênis.

Tags:, , , , ,

O complexo envelhecer das travestis
   12 de agosto de 2023   │     19:03  │  0

“Há padrões estabelecidos que respondem a uma determinada forma de organização econômica e social. O que nos importa é saber qual é o impacto que as normas de gênero têm sobre as travestis que atravessam a vida e atingem a velhice”, esta é a frase que abre a finalização da Dissertação de Mestrado (PUC/SP) “Travestis envelhecem?” de Pedro Paulo Sammarco Antunes.

Refletindo sobre a afirmação do autor, é fundamental que lembremos que sempre estivemos e sempre estaremos submetidos a regras de conduta, independente de nossa condição sexual. É claro, que para “alguns” ou “muitos”, os padrões estabelecidos podem se tornar cruéis e até desumanos.

Para Antunes, “Seus corpos foram apropriados pelos saberes religiosos, jurídicos e científicos determinando como eles deveriam se comportar. Ao invés de viver o que pode um corpo, são pressionadas a viver o que “deve” um corpo (…)”.

Mas será que apenas as travestis vivem de imposições, julgamentos e deveres alheios? Se perguntarmos a qualquer pessoa o quanto ela se sente invadida, vigiada, restrita a um determinado espaço, a resposta será, com certeza, surpreendente. Não queremos dizer com isso que, para certos grupos, a vida é pior ou melhor que para outros, apenas diferente, o que exige, talvez, mais consciência e aceitação sobre sua própria condição.

“Desde pequenas, começam a perceber que não estão em um bom encontro em relação ao que é estabelecido. (…) exclusão da travesti já começa na família, justamente por não se adequarem as regras sociais. Podem até mesmo sofrer violência por parte de seus familiares”, afirma Antunes.

Todo ponto fora da curva foge ao esperado, ao padrão pré-estabelecido daquilo que julgamos

“correto e aceitável”. Não há como evitar essa reação geral. Talvez a família seja a primeira a se defrontar com uma “condição diferente”, a primeira a julgar, a primeira a condenar e a primeira a representar os muitos carrascos que surgirão pela vida afora, numa trajetória marcada por constantes enfrentamentos, sucessos e derrotas.

Na escala do envelhecimento, “o próximo desafio vem na escola”, alerta Antunes. E os “diferentes” aparecem como imensos transgressores: “O nome social que elas desejam usar combinado com a aparência são ele­mentos para que sejam rechaçadas na escola, tanto pelos colegas como professores e demais funcionários. Muitas relatam que por causa disso, não conseguem terminar os estudos”.

Não ter as mesmas oportunidades dos ditos seres “padronizados”, é a mais ultrajante forma de punição; covarde e desrespeitosa. Mas como evitar que tal exclusão não ocorra? É como lutar contra um batalhão de Titãs?

No filme “Ma vie em rose” de 1997, um menino bastante retraído decide se vestir apenas como menina, causando um grande furor na pequena cidade onde mora. Sua família deve então viver com a possibilidade de que ele seja “gay” ou “diferente” e deve superar todos os transtornos que a situação gera, na escola, na família e no social.

Antunes continua a trajetória: “Ao mesmo tempo, saem de casa ou são expulsas, encontrando nas travestis mais velhas a referência para construir seu modo próprio de ser. Travestis mais experientes terão um papel importante na vida das mais novas. Ajudarão a construir os novos corpos, estilos de vestir e formas de ser das novas travestis”.

“A condição de seres patológicos que são colocadas facilita que a sociedade não as veja como humanas e sim como seres abjetas. Em sua maioria, são consideradas aberrações, sujeitas a tratamento, punição ou até mesmo extermínio. Desde cedo seu drama como não humanas já começa e se arrasta até quando conseguirem sobreviver”.

Viver pode ser considerada uma tarefa das mais complexas, mas para esses “seres” julgados e constantemente ameaçados, ousamos afirmar que a luta é das mais sangrentas e corajosas. Para quem assistiu ao fantástico “Albert Nobbs”, na majestosa e, ao mesmo tempo, sincera e discreta interpretação de Glenn Close, entende o verdadeiro significado do termo “ser abjeto”.

Mas há que sobreviver, mesmo enfrentando Monstros “Humanos”, Titãs e afins. Antunes explica: “As que conseguiram driblar os riscos inerentes ao con­texto existencial de marginalidade, precisam adotar estratégias. Para isso, seguem um estilo próprio de exis­tir. Não há como generalizar sua forma de lidar com as adversidades da vida. Cada uma terá seu jeito próprio. Além de ter sobrevivido, chegar à velhice é também sinônimo de referência, exemplo e alerta para as mais jovens”.

A experiência adquirida através das “mais velhas” serve como uma espécie de guia para a vida. A isso acrescenta-se a forma individual que cada uma vê, compreende e enfrenta as adversidades impostas pelo meio e por ela mesma. O resultado será próprio, sofrido e em muitos ou alguns casos, vitorioso.

Travestis de hoje, de ontem…

Numa reflexão sobre o que foi ser uma travesti antes e o que significa e representa ser uma travesti hoje, Antunes recorre à história: “Ser travesti na atualidade não é o mesmo que ter sido travesti antes da década de 1960. Se um homem saísse na rua vestido de mulher, geralmente era preso. Não havia hormônios nem silicone. Porém, mesmo assim, muitas podiam ser travestis durante os bailes de carnaval. Outras se tornavam artistas, o que possibilitava que pudessem ser mais travestis em um contexto de artes cênicas. As prostituições eram veladas e sutis, conforme acompanhamos nos relatos de vida de duas de nossas entrevistadas”.

“Após as revoluções sexuais ocorridas no final do século XX no mundo, os conceitos de família e gênero sofreram profundas transformações. A travesti passou a ter mais espaço. Saiu da clandestinidade e começou a se prostituir nas ruas dos grandes centros urbanos. Assim como os jogadores de futebol, muitas saíram de contextos socioeconômicos mais humildes. Como prostitutas, galgaram espaço nos grandes centros até chegarem ao exterior. Lá, precisavam ganhar muito dinheiro em curto espaço de tempo, para que pudessem ter um futuro”.

“Quando não pudessem mais viver do corpo, já seriam consideradas velhas. Para as travestis o conceito de velhice está vinculado ao trabalho que desempenham como prostitutas. Enquanto trabalham são úteis, produtivas e, portanto jovens”.

Quantas vezes ainda teremos que pensar em produtividade relacionada a juventude? Ou viver sob a tirania da juventude eterna?

Será que estamos próximos de uma condição diferente da que vivemos atualmente? Será possível, um dia, nos vermos como iguais, como pontos próximos da curva da vida?

“Conhecer suas trajetórias de vida possibilita identifi­car quais são os pontos mais críticos onde não há qualquer amparo existencial. Elas são grandes improvisadoras, visto que não são reconhecidas como pessoas humanas. Precisam inventar suas vidas de forma original. Como não “existem” perante a lei, estão sujeitas a todo tipo de violência e aniquilamento. Quem as defenderá?”

 

Tags:, , ,