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Homem menstruando e aceitação: como é ser intersexual em um mundo que os desconhece
   2 de janeiro de 2021   │     12:22  │  0

 

São pessoas que lutam todos os dias por reconhecimento em uma sociedade que mal as percebe. Ou que, quando as percebe, as estigmatiza e oprime. 

 

Minhas história começou na maternidade, os médicos disseram à minha mãe que eu tinha a genitália subdesenvolvida, não parecia masculina nem feminina”, conta Lia (nome alterado), em entrevista à “BBC”. Naquela época, os médicos perguntaram à sua mãe qual sexo ela achava que tinha dado à luz. A mãe decidiu registrá-la como menina e assim Lia cresceu. Até quando foi levada a um médico pouco antes de começar a frequentar a escola. 

 

Você está sã? Você tem um menino”, disse o médico. Outros profissionais da área atestaram o mesmo e, assim, a mãe de Lia alterou toda sua documentação para que ela se tornasse um menino, outro erro. Quando retornou à escola, Lia, que já era conhecida por alguns colegas como menina, passou a ser apresentada como menino. Imagine uma situação dessas na escola?

A garota teve que trocar de colégio, mas o bullying a perseguiu pelo resto da vida. 

Quando ela tinha 16 anos, acordou com a cama suja de sangue. Sem entender nada, foi levada ao médico e examinada por um ultrassom. “Tem um útero aqui”, gritou o médico. 

Foi assim que descobri que tinha genitália feminina — que era um menino que começou a menstruar. Naquela época, queria que eles removessem o que estava dentro do meu corpo, o que eu não podia ver. No entanto, os médicos nos convenceram de que era melhor deixar os órgãos internos, porque eles estavam funcionando perfeitamente e poderiam ser úteis no futuro.

Então, passei por quatro cirurgias ao longo de alguns anos e me tornei uma menina. Agora, tenho dois filhos — um menino e uma menina.

Lia já se casou quatro vezes ao longo da vida e se prepara para o quinto casamento. Ao longo de sua trajetória, conheceu homens e mulheres, mas se sentia atraída por mulheres. 

Agora, ela está com um homem transgênero.

Quem sabe minha vida teria sido completamente diferente, se os médicos não tivessem nos convencido a fazer o que não deveríamos. Talvez eu não tivesse tido essa longa busca pela minha identidade, quatro casamentos, problemas com filhos”, diz. 

Se não houver risco à vida, decisão sobre redesignação deve ser feita somente na fase adulta

Ativistas da luta dos intersexuais não são a favor de que uma cirurgia de redesignação sexual seja feita ainda na infância. Isso porque a decisão sobre o gênero, nesse caso, caberia aos responsáveis legais da criança e não a ela mesma. Eles alertam sobre a necessidade dessa decisão acontecer somente na fase adulto, quando o intersexual já pode falar por si e por seu corpo. 

Julia Sydorova, uma pediatra ouvida pela “BBC”, explica que a decisão para levar a criança a uma mesa de cirurgia deve ser tomada pelos pais apenas se o adiamento da operação implique em risco de vida para ela. 

É necessário distinguir a cirurgia quando a vida da criança está ameaçada, e a chamada cirurgia estética. Esta última é realizada na maioria das vezes em bebês: sua genitália externa tem uma aparência típica.

por: Redação Hypeness

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Mundo avança em direitos LGBT, mas relação homossexual segue como crime em 69 países
   1 de janeiro de 2021   │     15:38  │  0

O ano de 2020 trouxe progressos consideráveis em termos de proteção legal para lésbicas, gays e bissexuais, mas a relação entre pessoas do mesmo sexo ainda é considerada um crime em 69 países, de acordo com o principal relatório mundial sobre o tema, divulgado nesta terça-feira (15).

O documento “Homofobia de Estado”, produzido pela ILGA (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais), traz dados sobre as legislações que afetam indivíduos com base em sua orientação sexual e também apresenta um panorama dos avanços e retrocessos em 193 países-membros da ONU (Organização das Nações Unidas).

Em sua versão anterior, de 2019, o relatório apontava 70 países que criminalizavam relações entre pessoas do mesmo sexo. Neste ano, o número diminuiu depois de o Gabão recuar em um projeto de lei que previa multa e seis meses de prisão para quem praticasse algum tipo de ato homossexual.

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Ativista agita bandeira símbolo do movimento LGBT durante parada da diversidade em Taiwan – Ann Wang – 31.out.20/Reuters

Dos 69 países da lista, 67 têm leis explícitas contra a prática, e outros dois, Iraque e Egito, fazem uso indireto de outras leis para perseguir e condenar pessoas por esses atos.

Nos últimos cinco anos, segundo o documento, ao menos 34 países aplicaram ativamente as leis que punem a relação entre indivíduos do mesmo sexo.

“Onde quer que tais disposições estejam nos planos, as pessoas podem ser denunciadas e presas a qualquer momento, mesmo que apenas sob suspeita de terem feito sexo com alguém do mesmo sexo. Os tribunais os processam e os sentenciam à prisão, ao açoitamento público ou até à morte”, afirma o advogado argentino Lucas Ramón Mendos, principal autor do relatório.

Uma conquista importante foi a revogação da pena de morte para homossexuais no Sudão, embora esse tipo de punição ainda vigore em seis países (Arábia Saudita, Brunei, Iêmen, Irã, Mauritânia e Nigéria).

Outras cinco nações (Afeganistão, Emirados Árabes Unidos, Paquistão, Qatar e Somália) também podem impor pena capital a pessoas LGBT, mas suas leis não são tão explícitas nesse sentido.

O documento aponta ainda que 42 países possuem barreiras legais contra a liberdade de expressão em questões relacionadas à diversidade sexual e de gênero.

O Brasil entra nessa lista devido ao que o relatório chama de “proliferação de legislações locais proibindo a disseminação da chamada ‘ideologia de gênero'” —expressão não reconhecida no mundo acadêmico e normalmente usada por grupos conservadores e religiosos.

O Brasil também aparece na lista de 57 países que possuem mecanismos legais de proteção à comunidade LGBT graças à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em junho de 2019, que enquadrou a homofobia e a transfobia na lei dos crimes de racismo até que o Congresso Nacional aprove uma legislação específica sobre o tema.

Ser homossexual no Brasil deixou de ser crime em 1831. Antes disso, ainda vigia a lei colonial segundo a qual quem cometesse “o pecado da sodomia” deveria ser “queimado e feito por fogo em pó, para que nunca de seu corpo e sepultura possa haver memória”.

coronavírus, que já causou mais de 1,5 milhão de mortes em todo o mundo, também afetou a capacidade de organização dos grupos de defesa da comunidade LGBT.

Segundo o relatório, “resiliência e criatividade” permitiram que muitos ativistas permanecessem conectados na luta por direitos, já que as medidas de restrição cancelaram eventos, paradas e impossibilitaram reuniões presenciais.

“Alguns governos se aproveitaram dessas circunstâncias e intensificaram seus esforços para oprimir, perseguir e nos discriminar violentamente. Em muitos lugares onde as leis já eram uma causa de desigualdade, as coisas só pioraram”, diz Julia Ehrt, diretora de programas da ILGA.

Embora não tenha ocorrido a tempo de constar na versão atual do relatório, uma decisão do Parlamento da Hungria de emendar a Constituição do país nesta terça se encaixa no tipo de discriminação ao qual o documento se refere.

A legislação húngara agora define “família” como “baseada no casamento e na relação entre pais e filhos”. O novo texto também afirma que “a mãe é uma mulher, o pai, um homem” e determina que os filhos sejam criados com um espírito conservador.

Na prática, a Constituição do país proíbe definitivamente a adoção de crianças por casais formados por dois homens ou duas mulheres. Segundo o documento da ILGA, há apenas 28 países que permitem a adoção por casais homossexuais.

Outros exemplos de ações discriminatórias ocorridas em meio à pandemia são a proliferação de “zonas livres de LGBTs” na Polônia, os incentivos às “terapias de conversão” —a chamada “cura gay”— na Indonésia e a reversão de duas leis estaduais no estado americano da Flórida que proibiam esse tipo de “tratamento”, geralmente associado ao conservadorismo religioso.

A “cura gay” foi um serviço legalmente fornecido no Brasil de setembro de 2017 a abril de 2019, até que a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu a prática por meio de liminar que atendeu a um pedido do Conselho Federal de Psicologia, com base em uma resolução sobre o tema de 1999.

Em janeiro deste ano, a ministra suspendeu a tramitação de uma ação popular movida por psicólogos cristãos e, quatro meses depois, os demais ministros do Supremo “seguiram o entendimento já traçado e encerraram definitivamente as tentativas judiciais de revogar a proibição”, de acordo com o balanço da ILGA.

Na lista de avanços em conquistas de direitos para pessoas LGBT, o relatório destaca o fato de a Alemanha ter banido as “terapias de conversão” em nível nacional, enquanto países como Austrália, Canadá, Estados Unidos e México seguiram o mesmo exemplo em níveis regionais.

O relatório aponta ainda um salto positivo em relação ao número de países que possuem leis específicas para proteger pessoas LGBT em seus locais de trabalho —há 20 anos, eram 15, e, nesta atualização, são 81. Entra nessa lista, por exemplo, a decisão da Suprema Corte dos EUA que proíbe demissões de funcionários baseadas em orientação sexual e identidade de gênero.