Category Archives: Análise Política

A cartilha mofada de Marcelo Crivella
   3 de agosto de 2014   │     15:28  │  1

Homossexualismo (sic) é pecado e pobreza leva ao crime.
O senador Marcelo Crivella, candidato do PRB ao governo do Rio, é um homem de outro tempo. Não se sabe se ele faz campanha no século XXI com a cartilha do século XIX por convicção ou se apenas joga para a plateia – uma plateia amedrontada e conservadora que não alcançou nem entendeu o mundo atual. Em outras palavras: não se sabe se o candidato não entende o planeta onde vive ou se finge não entender.

Durante a semana, em entrevista a um programa da TV Bandeirantes, o candidato desenhou com cores primárias o território que pretende governar. Segundo ele, “se deixar a população da Baixada, das regiões periféricas, vivendo na miséria, essas pessoas migram para roubar na capital, onde tem a maior riqueza”.

É um discurso no mínimo estranho a quem se opõe ao atual governador, Sergio Cabral Filho (PMDB), aquele sujeito com o guardanapo na cabeça que defende o aborto como forma de conter a violência nas favelas – em suas palavras, “uma fábrica de produzir marginais”.

Governador e opositor parecem discordar dos meios, mas não dos fins, quando o assunto é segurança pública. Para eles, a segurança da zona sul passa pelo cerco à zona periférica, seja pelos meios contraceptivos, seja pela gorjeta. Caso contrário os mal nascidos migram por osmose em direção aos bairros açucarados para levar unicamente o caos, e não a mão-de-obra.

Pelo raciocínio, o caminho da violência é um só: de baixo para cima. Ou, do morro para o asfalto. Nem Crivella nem o atual governador parecem capazes de explicar a presença de marginais bem nascidos também em condomínios de luxo, shoppings de alto padrão, clubes recreativos, palácios administrativos ou construtoras de ascensão meteórica. Estes, não por coincidência, jamais pisaram no morro.

Na mesma entrevista o candidato se saiu com outra pérola: “não acredito que homossexualismo seja uma doença, mas é pecado”. De novo a dúvida: o candidato não sabe o que diz ou finge que não sabe?

No primeiro caso, caberia ao estafe do senador explicar que, na língua portuguesa, o sufixo “ismo” denota justamente doença. Que seja um ato falho: como religioso, Crivella está livre para criar e se virar com os próprios pecados. Como homem público, definir quem é ou não pecador pode ser mais que um juízo. Afinal, se eleito governador, como promete tratar os pecadores? Hoje quem peca roubando vai para a cadeia. E quem peca por andar de mão dada com parceiro de mesmo sexo? Vai para a cadeia também? Vai a julgamento? Resolve-se com quem não tolera o pecado portando barras de ferro e lâmpadas fosforescentes? E como é, afinal, governar para pecadores? Eles pagariam os pecados aqui ou no céu? Seriam obrigados a frequentar aulas de purificação, como sugeriram alguns colegas do Congresso ao tentar regulamentar a cura gay?

São perguntas que qualquer eleitor que incorre em pecado pode se fazer ao acompanhar a entrevista de seu candidato.

A declaração do senador foi dada após ser questionado sobre uma lei anti-homofobia em tramitação na Assembleia Legislativa do Rio. Para Crivella, o projeto é motivo de preocupação: a lei pode extrapolar e impedir que pastores digam o que pensam e sentem sobre o pecado.

Diante de tantas perguntas em aberto, esse mesmo leitor poderia concluir: para o candidato, é mais preocupante um projeto que impede um pastor de dizer em público que “homossexualismo é pecado (sic)” do que os índices de violência contra homossexuais – índices que, vale lembrar, não são produzidos por quem não tem o que fazer nas regiões periféricas e decidem, como na lei da física (ou da osmose na biologia), descer ao asfalto para praticar o terror.

Fosse apenas um aluno, e não candidato a governador, a visão refinada de mundo renderia ao senador duas bombas na quinta série. Mas, na boca de um candidato, a groselha rende dividendos políticos. Crivella não é o único homem fora do seu tempo, mas parece falar em nome deles. Seu nome é legião porque são muitos – e por isso inicia a campanha com chances reais de vitória.

Na última pesquisa Ibope, ele aparece com 16% das intenções de voto, atrás apenas de Anthony Garotinho (PR), que lidera uma corrida eleitoral quatro anos após ser condenado, em 1ª instância, por formação de quadrilha e proteção à máfia de caça-níqueis do Rio. Ele tem 21% das preferências.
São eles os mais prováveis substitutos para um governo que na semana passada colocou Mikhail Bakutin, filósofo russo morto em 1876, na lista de potenciais suspeitos de promover baderna nos protestos deste ano pela capital.

Entre pérolas, laranjas e a tragicomédia, a largada para a disputa no terceiro maior colégio eleitoral do País não poderia ser mais melancólica.

Polêmica: Casamento gay coletivo no RS divide opiniões
   24 de julho de 2014   │     12:22  │  0

Fato surgiu após proposta de magistrada, encampada por patrão, de unir casais do mesmo sexo em cerimônia coletiva nos festejos farroupilha

Um dos bastiões do tradicionalismo, capaz de mobilizar o recorde de 6 mil cavaleiros no desfile da Semana Farroupilha, Santana do Livramento está em rebuliço com a sugestão de que casamentos gays tenham por palco um Centro de Tradições Gaúchas (CTG). Para os que aprovam a ideia, seria uma demonstração de respeito à igualdade – um dos lemas da bandeira do Estado. Já os contrários se rebelam, afirmando que tentam profanar um reduto da virilidade rio-grandense.

 

Quem propôs celebrar a união entre pessoas no mesmo sexo num CTG foi ninguém menos que a diretora do Foro de Livramento, juíza Carine Labres. Há sete meses no município, a magistrada foi além: entende que a melhor data para o casamento é 13 de setembro, justo quando se iniciam os festejos da Semana Farroupilha e as homenagens a figuras como o general Bento Gonçalves da Silva, o símbolo maior da valentia gaúcha.

Ao ser acolhido pelo patrão do CTG Sentinela do Planalto, o advogado e vereador Gilbert Gisler, o Xepa, o plano da juíza Carine instalou a polêmica na cidade. E reações indignadas. O presidente da Associação Tradicionalista de Livramento, Rui Ferreira Rodrigues, ressalva que não é contra o enlace entre gays, mas desde que ocorra em local apropriado.

– Que se casem onde quiserem, cada um vive do jeito que quer, mas um CTG não é o lugar para isso – destaca.

Na terça-feira da semana passada, Rodrigues convocou os representantes das 40 entidades tradicionalistas de Livramento para uma reunião de urgência. Compareceram os líderes de 38 delas, todos repudiando o casamento gay em CTG. Também deliberaram que o CTG Sentinela do Planalto é ilegítimo, por ter sido desligado do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) devido à falta de pagamento das anuidades.

– Essa casa (CTG Sentinela do Planalto) não representa o seleto grupo do tradicionalismo – diz Rodrigues, em tom severo.

A era da homofobia e do machismo incontestados
   19 de julho de 2014   │     0:00  │  0

Estamos no século 21. Achava que era 2014? Nahhh… acho que não. Ou me recuso a pensar que, já tão avançados no tempo, ainda sigamos presenciando coisas do século 19.

Pois bem, a verdade é que as duas cenas abaixo foram presenciadas no espaço de dois dias. Ou seja, devem ocorrer aos montes todas as horas. E nos fazem pensar que, depois da era do racismo incontestado, em que um branco se levantava de um banco de ônibus quando o negro se sentava ao lado, hoje vivemos a era da homofobia — e do velho machismo — incontestados. Tão incontestados que as próprias vítimas ou dão de ombros ou reforçam o problema.

Vejam só:

CENA DE HOMOFOBIA

Eu estava no cinema, no último domingo. Fazia muito tempo que não ia ao cinema. Por isso, animada, cheguei antes de todos e fiquei comendo minha pipoquinha, e observando as pessoas que se sentavam depois.

A umas cinco fileiras de mim, à minha frente, havia um casal heterossexual. Uma mulher, mais perto do canto da fileira, e o homem, mais centralizado. Eis que surge outro casal, agora homossexual. Eles param pouco antes da mulher para conferir os números de suas cadeiras. Descobrem que são aquelas ao lado do homem, e dirigem-se para lá.

Passados menos de dois segundos de os dois terem se acomodado, o homem do casal hétero pede para trocar com sua mulher de lugar. Como se tivesse levado um choque: um gay se senta ao seu lado e ele já salta imediatamente do lugar. Pior: sua namorada concorda sem contestar. Os dois trocam de posições, sob os olhares constrangidos de quem assistia à cena — no caso, eu. Os gays, provavelmente calejados com esse tipo de sinal de desprezo, dão de ombros.

CENA DE MACHISMO – esta foi presenciada pela socióloga Neuza Lima, que escreveu o surpreendente relato abaixo:

“Eu estava num bar e, numa mesa próxima à minha, um grupo de amigos estavam bebericando. Na mesa, algumas mulheres e apenas dois homens. Um deles, totalmente alterado pelo álcool, começou a querer beijar todas as mulheres na boca. Uma delas se recusa, e ele a chama de vagabunda. Ela retruca: ‘Vagabunda é sua mãe!’

Ao ouvir isso, ele a agride fisicamente, dando-lhe um tapão nas costas com as duas mãos. Tão forte, que ela caiu na mesa.

E ele sai correndo, ileso.

Ela, aos prantos, começa a se culpar (!). Diz: ‘Isto aconteceu porque eu sou uma mulher sem homem, mulher sem homem não pode sair de casa, pois é vista como mulher de todo mundo, todos podem tirar uma casquinha, independente de sua vontade!'”

Levamos anos para que o racismo começasse a ser contestado. Hoje, qualquer cena de racismo explícita é brutalmente criticada, existem campanhas, processos judiciais etc. E, mesmo assim, o problema ainda está longe de ser eliminado, infelizmente. No caso da homofobia e do machismo, em que a contestação ainda é muito pequena e que as próprias mulheres contribuem para reforçar e retransmitir a parte que as afeta, quanto tempo será que levaremos para nos ver livres desses problemas? Um chute: nunca.

Por: Cristina Moreno de Castro

O que tem por trás da histórica capa da Time com a atriz transexual Laverne Cox
   4 de junho de 2014   │     0:00  │  0

Primeiro, é preciso informar que a Time lamentavelmente cometeu uma falha na edição passada ao ignorar e deixar de fora Laverne na tradicional lista das “100 Pessoas mais influentes de 2014”, apesar de ela ter ficado em quinto lugar na votação online e de ter recebido mais de 91,5% de aprovação do público [veja ao lado]. Depois, é necessário refletir sobre como a atriz trabalha a própria visibi

lidade e conquistou a admiração dos espectadores – pois é, mais de 90% – a ponto de gerar uma onda de protestos e motivar a Time a dar uma CAPA como um autêntico e histórico pedido de desculpas. Aceitas, claro.

Mas por qual motivo Laverne se tornou referência, já que não é a primeira vez que pessoas trans ganham a mídia internacional?

Ao contrário de tantas figuras que bombam por aí e que investem no discurso chapa-branca, de preconceito internalizado, de ignorância ou de pura vaidade e competição, Laverne é exemplo por aliar talento dentro de um projeto de sucesso, ter orgulho de ser quem é e, sobretudo, nutrir coragem para se engajar em uma causa social malvista [e não ignorá-la como a maioria]. É evidente que nenhuma pessoa é obrigada a levantar bandeiras – ninguém é obrigado a nada – mas também é óbvio que já passou da hora de termos uma celebridade à lá Angelina Jolie dentro do universo trans. E não estamos falando de lábios carnudos. Uma artista engajada, corajosa, talentosa, bem humorada, influente, com fôlego e consciente de que faz parte de um grupo historicamente marginalizado e que, por esse motivo, necessita investir em um discurso afiado, inédito, desafiador e transformador. Desde que seu nome começou a se tornar conhecido, Laverne passou a utilizar de sua visibilidade para mudar um pouco a maneira como a mídia e como as pessoas cis entendem as pessoas trans. Ela transcendeu o debate e não se sujeitou a ele. E o melhor: para melhor.
E NO BRASIL?Embora a maioria das personalidades trans brasileiras não demonstra se preocupar realmente com a causa e a mídia não dê o real merecimento, é preciso destacar artistas que, como Claudia Wonder [1955-2011], são importantes nas artes e no processo democrático brasileiro: Maite Schneider, por exemplo, há décadas alia a arte e a militância, bem como Léo Moreira Sá, Laysa Machado, Leonarda Gluck.
Porém, por aqui, o cenário aparenta ser mais delicado. “É curioso esse cenário no Brasil porque a militância não é vista com bons olhos. […]A Angelina Jolie, por exemplo, é reverenciada pelo trabalho de militante, mas aqui ela seria vista como barraqueira. Para mim, essa dificuldade é pior, porque tenho uma vida pública e militante. As pessoas acham que estarei com a Constituição embaixo do braço.”, declarou Maite em recente entrevista ao NLucon.Que o exemplo, discurso e orgulho de Laverne inspirem a imprensa, os leitores e as artistas… Até porque a estratégia de se esconder ou não falar sobre o assunto não é garantia de sucesso, nem de trabalho, nem de importantes mudanças sociais. Só é garantia da histórica perpetuação do preconceito e da falta de oportunidades e visibilidade. Passamos por um PROCESSO histórico. Será que é sonhar muito alto ver Nany People finalmente apresentando um programa de tevê? Que Rogéria tenha muito mais que participações especiais em novelas? Que uma atriz que é trans seja protagonista ou estrele um comercial de pasta de dente?
Por: Neto Lucon – Jornalista

“As grandes editoras não querem ter seus nomes associados à homossexualidade”
   29 de maio de 2014   │     19:34  │  0

Alexandre Willer de Melo, da editora Escândalo, comenta a literatura LGBT brasileira às vésperas da festa Escandaliza, que reunirá autores e leitores homoafetivos em SPO que é uma barreira para muitos pode se tornar uma oportunidade para quem tiver visão. O mercado editorial sempre fez pouco caso dos autores com histórias ou ideias ligadas à homoafetividade; a maioria dos editores viam essas obras como nada além de encalhes em potencial. A editora Giselle Jacques e o escritor Roberto Muniz Dias, no entanto, enxergaram aí um nicho a ser explorado, e fundaram há dois anos a editora Escândalo, especializada em literatura LGBT.

A Escândalo conta em seu catálogo com títulos de ficção (romances, contos, poesia, ensaios e literatura infantil) e não-ficção (psicologia, auto-ajuda, religião, ciência, direito e política). Ano passado a editora promoveu pela primeira vez a festa Escandaliza, com a intenção de apresentar seus títulos e seus autores ao público. Esse ano, às vésperas da parada LGBT, o evento se repete. A confraternização entre autores e leitores vai acontecer amanhã, 2 de maio, a partir das 18h, no Telstar Hostels (Rua Capitão Cavalcanti, 177, Vila Mariana). Durante o evento serão lançados os livros A sesmaria esquecida, de Luciano Cilindro de Souza, e Homossilábicas vol. 3, mais uma adição à série de contos homoafetivos da editora.