Por: Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia
Mestre e Doutor em Direito Constitucional (UFMG). Professor Adjunto na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e na Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Professor permanente do Programa de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Advogado no Cron – Advocacia.
SISTEMAS INTERNACIONAL E INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS:
Em um sistema constitucional que se apresenta como constante aprendizado, a Constituição é (e deve ser tida, sempre como) um projeto aberto[10] a constantes novas inclusões. Isso possibilita que novos direitos possam ser incorporados, como, aliás, consta expressamente do parágrafo 2º de seu artigo 5º.
No que tange a Tratados Internacionais (e similares) sobre Direitos Humanos de que o Brasil é signatário e que, de alguma forma, tratam da igualdade (bem como da proibição de discriminação), podemos citar:
1. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, especialmente o Art. 2º, 1. “Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, opinião, ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição”;
2. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966: art. 2º, 1: “Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar e a garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeito a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, religião, opinião política ou outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra condição”. Em consequência desta Convenção, lembra RIOS, “o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas considerou indevida a discriminação por orientação sexual no tocante à criminalização de atos sexuais homossexuais, ao examinar o caso Toonen v. Austrália”[11]. Aliás, a partir desse caso se seguiram outros.
Lembrando que o Brasil ratificou em 2007 Protocolo Facultativo a este Pacto que permite que qualquer cidadão denuncie violações aos direitos civis e políticos diretamente ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.
3. A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (1965): “Considerando que todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação e contra qualquer incitamento à discriminação” e seu Art. 1º. “(…) a expressão ‘discriminação racial’ significará qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo pleno (em igualdade de condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político, econômico, social cultural ou em qualquer outro domínio de sua vida”.
A responsabilidade por monitorar o cumprimento dessa Convenção é do Comitê de Eliminação de Discriminação – CERD (art. 14 da Convenção). No Brasil, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT) acompanha, desde 2001, os casos que tramitam perante aquele Comitê.
4. A Resolução n. 2435: Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, aprovada pela Assembleia Geral da OEA em 03 de junho de 2008, mostrando preocupação com os “atos de violência e das violações aos direitos humanos correlatas perpetradas contra indivíduos, motivados pela orientação sexual e pela identidade de gênero”:
REITERANDO: Que la Declaración Universal de los Derechos Humanos afirma que todos los seres humanos nacen libres e iguales en dignidad y derechos, y que toda persona tiene todos los derechos y libertades proclamados en esta Declaración, sin distinción alguna de raza, color, sexo, idioma, religión, opinión política o de cualquier otra índole, origen nacional o social, posición económica, nacimiento o cualquier otra condición; (…)
CONSIDERANDO que la Carta de la Organización de los Estados Americanos proclama que la misión histórica de América es ofrecer al hombre una tierra de libertad y un ámbito favorable para el desarrollo de su personalidad y la realización de sus justas aspiraciones;
REAFIRMANDO los principios de universalidad, indivisibilidad e interdependencia de los derechos humanos;
A partir disso, declarou:
RESOLVE:
1. Expressar preocupação pelos atos de violência e pelas violações aos direitos humanos correlatas, motivados pela orientação sexual e pela identidade de gênero.
2. Encarregar a Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos (…) de incluir em sua agenda (…) o tema ‘Direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero’.
Desde 2008 a OEA vem reafirmando essa preocupação, aprovando a cada ano uma nova Resolução com aquele mesmo título, mas com conteúdo cada vez mais enfático quanto à erradicação de violência homofóbica no continente. Na reunião de 2009, a Assembleia Geral aprovou a Res. 2504 pela qual:
RESUELVE:
1. Condenar los actos de violencia y las violaciones de derechos humanos relacionadas, perpetrados contra individuos a causa de su orientación sexual e identidad de género.
2. Instar a los Estados a asegurar que se investiguen los actos de violencia y las violaciones de derechos humanos perpetrados contra individuos a causa de su orientación sexual e identidad de género, y que los responsables enfrenten las consecuencias ante la justicia.
3. Instar a los Estados a asegurar una protección adecuada de los defensores de derechos humanos que trabajan en temas relacionados con los actos de violencia y violaciones de los derechos humanos perpetrados contra individuos a causa de su orientación sexual e identidad de género. (…).
Na reunião de 2010, a Assembleia Geral aprovou a Res. 2600:
TOMANDO NOTA CON PREOCUPACIÓN de los actos de violencia y otras violaciones de derechos humanos, así como de la discriminación, practicados contra personas a causa de su orientación sexual e identidad de género,
RESUELVE:
1. Condenar los actos de violencia y las violaciones de derechos humanos contra personas a causa de su orientación sexual e identidad de género, e instar a los Estados a investigar los mismos y asegurar que los responsables enfrenten las consecuencias ante la justicia.
2. Alentar a los Estados a que tomen todas las medidas necesarias para asegurar que no se cometan actos de violencia u otras violaciones de derechos humanos contra personas a causa de su orientación sexual e identidad de género y asegurando el acceso a la justicia de las víctimas en condiciones de igualdad.
3. Alentar a los Estados Miembros a que consideren medios para combatir la discriminación contra personas a causa de su orientación sexual e identidad de género.
4. Instar a los Estados a asegurar una protección adecuada de las y los defensores de derechos humanos que trabajan en temas relacionados con los actos de violencia, discriminación y violaciones de los derechos humanos contra personas a causa de su orientación sexual e identidad de género.
O mesmo se repete na Res. 2653 da Assembleia Geral da OEA de 2011. A partir disso a Comissão Interamericana de Direitos Humanos criou uma Unidad para los derechos de las personas LGBTI. No 2º Informe sobre a Situação dos Defensores de Dir. Humanos na América (31/12/2011), a Comissão Interamericana dedica um Capítulo somente ao problema dos defensores dos direitos LGBT (§§ 325 e ss.):
325. Las defensoras y defensores de las organizaciones que promueven y defienden los derechos de las personas lesbianas, gays, trans, bisexuales e intersexo (LGTBI) desempeñan un rol fundamental en la región, tanto en el control social del cumplimiento de las obligaciones estatales correlativas a los derechos a la vida privada, igualdad y no discriminación como, en general, en el proceso de construcción social de una agenda global de derechos humanos que involucre el respeto y la garantía de los derechos de las personas lesbianas, gays, trans, bisexuales e intersexo.
326. De conformidad con la Declaración sobre Defensores de Naciones Unidas toda persona tiene derecho a promover y procurar la protección y realización de los derechos humanos y las libertades fundamentales, así como a “desarrollar y debatir ideas y principios nuevos relacionados con los derechos humanos, y a preconizar su aceptación”. La CIDH destaca que en virtud de la protección y desarrollo que ameritan tanto el principio de igualdad como el derecho a la vida privada, las actividades de defensa y promoción del ejercicio libre de una orientación sexual y de la identidad de género pertenecen al orden de defensa y promoción de los derechos humanos.
327. Al respecto, la CIDH reitera que la orientación sexual constituye un componente fundamental de la vida privada de todo individuo y, por lo tanto, existe un derecho a que esté libre de interferencias arbitrarias y abusivas por parte del poder público.
Asimismo, en virtud del principio de igualdad y de no discriminación toda persona tiene derecho a que el Estado respete y garantice el ejercicio libre y pleno de los derechos, sin discriminación de ninguna índole y toda diferencia de trato basada en la orientación sexual de una persona es “sospechosa”, en el sentido de que se presume incompatible con el principio de igualdad y no discriminación. Por lo tanto, ante una diferencia de trato de esta naturaleza en el goce de los derechos y libertades fundamentales, el Estado se encuentra en obligación de probar que la diferencia supera el examen o test estricto, es decir, ser objetiva y razonable, lo que incluye perseguir un fin legítimo, ser idónea, necesaria y proporcional.
328. En su informe de 2006, (…) la CIDH ha visto con preocupación un incremento de las agresiones, hostigamientos, amenazas, y campañas de desprestigio, tanto de actores estatales como no estatales en contra de defensores y defensoras de los derechos de las personas LGBTI. La anterior preocupación ha sido compartida por otros sistemas de protección a los derechos humanos. (…)
335. (…) La CIDH ha recibido información sobre grupos opositores o pertenecientes a las iglesias que promueven constantemente campañas de desprestigio contra organizaciones defensoras de las personas LGTBI, lo cual acentúa un clima de hostilidad y rechazo a sus actividades, y repercute seriamente en la posibilidad de reunirse para defender y promover sus derechos, así como a participar en la formulación de políticas públicas, o bien, obtener financiamiento para el desarrollo de sus actividades. (…)
337. Otro obstáculo frecuente para la debida investigación y sanción de los responsables de crímenes cometidos en contra de personas LGTBI que atraviesan la región es que la mayoría de los crímenes cometidos contra los miembros de estas comunidades suelen identificarse con crímenes pasionales sin que se abran líneas de investigación especializadas que permitan con claridad identificar si el delito fue cometido en el marco del mencionado supuesto o bien, en razón de la orientación o preferencia sexual de las víctimas. La Comisión valora la iniciativa de algunos Estados de la región de crear unidades especializadas en el análisis e investigación de los delitos cometidos por y en contra de miembros de las personas LGTBI.
Não nos esqueçamos que o Brasil se submete à competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Corte esta que já condenou o Chile por discriminação por orientação sexual – Sentença de 24/02/2012, Caso Atala Riffo e Filhas vs. Chile[12].
5. Em 2008 foi aprovada por 66 países (incluindo o Brasil) uma Declaração da ONU condenando violações dos direitos humanos com base na orientação sexual e na identidade de gênero (A/63/635, de 22/12/08). Nessa Declaração os países signatários reafirmaram a vigência do:
princípio da não discriminação, que exige que os direitos humanos se apliquem por igual a todos os seres humanos, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero (…)
[e se mostraram] profundamente preocupados com as violações de direitos humanos e liberdades fundamentais baseadas na orientação sexual ou identidade de gênero.
(…) Estamos (…) alarmados pela violência, perseguição, discriminação, exclusão, estigmatização e preconceito que se dirigem contra pessoas de todos os países do mundo por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero, e porque estas práticas solapam a integridade e dignidade daqueles submetidos a tais abusos.
Sendo assim, os Declarantes condenaram
as violações de direitos humanos baseadas na orientação sexual ou na identidade de gênero onde queira que tenha lugar, em particular o uso da pena de morte sobre esta base, as execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, a prática da tortura e outros tratos ou penas cruéis, inumanos ou degradantes, a detenção provisória ou detenção arbitrarias e a recusa de direitos econômicos, sociais e culturais incluindo o direito a saúde. (…)
E ainda:
Fazemos um chamado a todos os países e mecanismos internacionais relevantes de direitos humanos que se comprometam com a promoção e proteção dos direitos humanos de todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual e identidade de gênero. (…).
Urgimos aos Estados a que tomem todas as medidas necessárias, em particular as legislativas ou administrativas, para assegurar que a orientação sexual ou identidade de gênero não possam ser, sob nenhuma circunstância, a base de sanções penais, em particular execuções, prisões ou detenção. (…)
Urgimos os Estados a assegurar que se investiguem as violações de direitos humanos baseados na orientação sexual ou na identidade de gênero e que os responsáveis enfrentem as consequências perante a justiça.
(…) Urgimos os países a assegurar uma proteção adequada aos defensores de direitos humanos, e a eliminar os obstáculos que lhes impedem levar adiante seu trabalho em temas de direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero.
6. Também no âmbito da ONU, a Assembleia Geral aprovou, em 17 de novembro de 2011, o “Informe Anual do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos”. Entre os temas do Informe esteve o Documento: “Leis e Práticas Discriminatórias e Atos de Violência Cometidos contra Pessoas por sua Orientação Sexual e Identidade de Gênero” – um documento extenso que não apenas traz dados, mas também mostra que os organismos da ONU e suas normas estão voltadas ao fim da homofobia:
La aplicación de las normas internacionales de derechos humanos se rige por los principios de universalidad y no discriminación consagrados en el artículo 1 de la Declaración Universal de Derechos Humanos, que dice que “todos los seres humanos nacen libres e iguales en dignidad y derechos”. Todas las personas, incluidas las personas lesbianas, gays, bisexuales y trans, tienen derecho a gozar de la protección de las normas internacionales de derechos humanos, en particular con respecto a los derechos a la vida, la seguridad de la persona y la intimidad, el derecho a no ser sometido a torturas ni detenciones arbitrarias, el derecho a no ser sometido a discriminación y el derecho a la libertad de expresión, asociación y reunión pacífica.
El Estado tiene la obligación de ejercer la diligencia debida para prevenir y sancionar la privación de la vida, ofrecer reparación al respecto e investigar y enjuiciar todos los actos de violencia selectiva.
A respeito da violência homofóbica e transfóbica: “En todas las regiones se han registrado episodios de violencia homofóbica y transfóbica. Esa violencia puede ser física (a saber, asesinatos, palizas, secuestros, violaciones y agresiones sexuales) o psicológica (a saber, amenazas, coacciones y privaciones arbitrarias de la libertad)”. A violência contra LGBT pode ser especialmente implacável em comparação com outros delitos motivados por preconceitos. Segundo a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa, os incidentes homofóbicos se caracterizam por um alto grau de crueldade e brutalidade (ex. “violações corretivas”, mutilações, etc.).