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Conheça as gêmeas trans que fizeram cirurgia rara para mudar sexo
   23 de fevereiro de 2021   │     11:52  │  0

Identidade das irmãs que vieram do interior de Minas Gerais para Santa Catarina foi revelada; elas contam como estão se sentindo pós cirurgia

As gêmeas Mayla e Sofia, de 19 anos, que são transexuais, vieram do interior de Minas Gerais para Santa Catarina para realizar um sonho em comum, as duas passaram pela cirurgia de redesignação sexual, popularmente conhecida como “mudança de sexo”.

O procedimento raro em todo o mundo ocorreu na última quarta-feira (10), no Hospital Santo Antônio, em Blumenau. A cirurgia demanda alta tecnologia e repercutiu em todo o país, principalmente por ter sido feito em duas irmãs gêmeas tão jovens.

Agora, Sofia e Mayla decidiram revelar suas identidades, quem apresentou a duas foi o jornalista Alex Ferrer, que através de suas redes sociais, mostrou como foi acompanhar de perto a cirurgia das duas.

As irmãs já discutiam a transição do masculino para o feminino desde antes da maioridade, ambas começaram o tratamento hormonal com anticoncepcional por volta dos 15 anos. Para elas, a cirurgia é a realização de um sonho que as tornará completas, sem o órgão genital masculino.

“Me sinto realizada, liberta. Foi tudo com a permissão de Deus, desde os meus 3 anos de idade eu peço para Deus me transformar em uma menina e creio que ele nos abençoou até aqui”, conta Mayla.

As duas precisaram vender uma casa, que era fonte de renda para a família, para conseguir fazer a cirurgia. “Meus pais sempre entenderam e nos apoiaram, nós somos mulheres, mas nascemos no corpo errado, agora estamos livres”, finalizou Mayla.

Como foram os procedimentos

Mayla passou pela cirurgia na quarta-feira (10). O procedimento durou cinco horas. Sofia passou pela operação na quinta (11). As duas permanecem em observação no hospital e devem ter alta nos próximos dias.

A operação foi realizada pelos médicos José Carlos Martins Junior e Cláudio Eduardo de Souza, que comandam o Transgender Center Brazil, clínica com sede em Blumenau especializada em cirurgia trans e feminização facial. O estabelecimento é o único especializado neste tipo de operação no Brasil.

A dupla, que atende no Brasil e no exterior, Já realizou cerca de 400 cirurgias de transição de gênero desde a inauguração, em 2015. Os dois foram responsáveis pelo atendimento à modelo trans Alice Felis, agredida no Rio de Janeiro, em 2020, e deram para ela todo o tratamento das fraturas e a feminização facial.

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Criador do Glee fará seriado com o maior elenco trans da história da TV
   4 de novembro de 2017   │     9:05  │  0

Conhecido por criar as séries Glee e American Horror Story,Ryan Murphy deu uma excelente notícia para a comunidade trans. Ele anunciou que seu próximo trabalho terá o maior elenco com artistas trans em toda a história da TV.

Trata-se da série Pose, exibida pelo canal FX, que terá cinco atrizes e atores trans em papeis de destaque. As gravações para o piloto começam neste mês.

Dentre os artistas confirmados há alguns nomes conhecidos, bem como MJ Rodriguez (Luke Cage e O Diário de Carrie),Hailie Sahar (Mr. Robot e Transparent), Indya Moore(Saturday Church), a modelo Dominique Jackson e Angelica Ross.

O roteiro conta com Our Lady J (a mesma de Transparent) e da militante trans Janet Mock. Pose falará sobre sobre diferentes histórias de pessoas que moram em Nova York na década de 80, enfrentam diversas pelejas e curtem a noite LGBT da metrópole. Curiosos?

Por NLUCON

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Ator trans-homem Tereza Brant entrará na novela A Força do Querer
   2 de julho de 2017   │     16:25  │  0

O ator Tereza Brant, natural de Belo Horizonte, foi escalado para fazer parte da novela A Força do Querer, de Glória Perez. No folhetim, que está no ar, Brant vai interpretar ele mesmo como amigo da personagem Ivana, que passa pelo processo de transexualização. O belo-horizontino ganhou visibilidade após aparecer em programas de TV para falar sobre como se descobriu um homem trans. Tereza ainda não mudou de nome, mas adotou um visual masculino que faz bastante sucesso nas redes sociais. Ele mora, atualmente, no Rio de Janeiro.

De acordo com o colunista Daniel Castro, do Notícias da TV, Brant vai entrar na trama no dia 27 de julho, quando será apresentado a Ivana (Carol Duarte). A jovem que passa pelo processo de transexualização vai se assustar quando descobrir que o rapaz se chama Tereza.

Personagem de Carol Duarte, Ivana, se descobre transexual na novela das 21hDivulgação/Globo

“Piada hoje não! Não estou com cabeça pra ouvir gracinha!”, vai dizer Ivana ao ouvir o nome de Brant. “Qual é a piada? Meu nome? Meu nome é Tereza mesmo!”, confirmará ele. “Tem mais nada a ver com a aparência, né? Mas foi o nome que minha mãe escolheu pra mim, não tive coragem de trocar”, dirá o ator. “Quem é que bota o nome de um menino de Tereza?”, retruca.

Além de aparecer na novela, Tereza também conversou com a autora Glória Perez para dar dicas e sugestões para o desenvolvimento da personagem de Ivana. A transexualidade é um dos temas da novela que, em vez de falar de culturas estrangeiras, aborda partes do Brasil ainda pouco conhecidas do grande público, como o Pará, por exemplo.

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Fantástico grava série sobre população trans
   6 de fevereiro de 2017   │     0:13  │  0

O jornalístico dominical Fantástico – Show da Vida – da TV Globo está gravando uma séria com a população trans (travestis, mulheres transexuais, homens trans e outras transgeneridades) para uma série especial, que está prevista para março.

Quem deixou escapar foi a jornalista Renata Ceribelli e algumas fontes, que mostraram os bastidores das gravações. Há também postagens em que a jornalista se limita a mostrar apenas metade do rosto da pessoa e nem nome, dizendo que a pessoa passa um enorme preconceito.

Em uma delas, Renata aparece interrompendo uma gravação com a ex-produtora da Globo e atrizBárbara Aires, que é uma mulher transexual. “A Bárbara é nossa consultora de uma série, que está gravando no banheiro masculino”, diz. “Uma mulher no banheiro masculino, que será?”, perguntou Bárbara. “Surpresa”, disse.

Outra foto que entregou a produção mostra o homem trans Leo Maulaz de sandálias de salto, mas não diz nada sobre a foto. O homem trans Robis Ramireztambém mostrou os bastidores do programa em sua página pessoal.

E em outra foto ela diz que conversou com Bernardo, um garoto de 15 anos que cresceu sofrendo bullying e continuará por toda vida sendo julgado pela sociedade preconceituosa em que vivemos. “Mas vai passar ensinando as pessoas que o preconceito é folho da falta da ignorância”.

Pelo que apuramos, a cada domingo a partir de março uma história será contada pelo Fantástico. Ainda não se sabe quantas histórias vão aparecer no programa.Mas esperamos que todas elas sirvam de exemplos positivos e que Renata consiga conduzir bem o tema.

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Mães de pessoas transgêneros: Uma questão fora do “menu” da maternidade
   30 de janeiro de 2017   │     19:58  │  0

O britânico Milla Brown, de 9 anos e adora super-heróis desde pequeno. Brown nasceu menina e foi diagnosticado com transtorno de identidade de gênero - ou seja, nasceu menina, mas seu cérebro o identificava como menino.

O britânico Milla Brown, de 9 anos e adora super-heróis desde pequeno. Brown nasceu menina e foi diagnosticado com transtorno de identidade de gênero – ou seja, nasceu menina, mas seu cérebro o identificava como menino.                                           “É menino ou menina”?

 

 

 

 

 

 

 

 

Essa talvez seja a frase mais ouvida por mulheres grávidas, talvez até mais que “e quando vai nascer?”. Mas por que queremos saber se quem está dentro de um útero é um menino ou é uma menina? Por que isso é tão importante para nós?Porque é cômodo. Num mundo acostumado a tratar tudo como preto ou branco, bom ou mau, menino ou menina e que invisibiliza todas as nuances entre um e outro, é cômodo que desde sempre possamos usar rótulos, possamos colocar as pessoas nessa prateleira mas não naquela, julgá-las como isso mas não como aquilo. E é a partir dessa pergunta, tão desnecessária, que impregnamos a criança que ainda não nasceu de inúmeras expectativas, modelos a serem seguidos, padrões a serem obedecidos, cores, brincadeiras, comportamentos, fecha a perna pra sentar, fale como um menino, não seja um maricas, esse chocolate você não vai levar porque é rosa e não azul, não fale palavrão que não é coisa de menina, seja delicada, seja forte, para de chorar, chorar não é coisa de menino, e as namoradinhas?, por que esse cabelo curto?, vai depilar sim, e tudo aquilo que reproduzimos sem pensar, enquadrando pessoas – cheias de potencialidades, de diferenças, de riquezas tão humanas – naquilo que, para nós, é mais fácil, mais cômodo, mais comum. Condenando pessoas ao sofrimento, à invisibilidade, ao bullying , à violência, à exclusão, ao desamor e até à morte.Dia 29 de janeiro é o dia da visibilidade trans. Um dia para falar das pessoas trans. Essas pessoas que são excluídas e feitas invisíveis e inexistentes – em vida. E o fato de poucas pessoas saberem da existência dessa data já mostra o grau de invisibilidade. Ser invisível não traz apenas uma anulação de si mesmo. Traz perigo de vida, ameaça de morte, pois a coletividade não se mobiliza para defender a vida de quem não é visto. Ninguém ama quem não é visto. Ninguém defende ou se mobiliza para defender quem não é visto.  Existir como uma pessoa trans neste mundo onde os valores conservadores e fascistas estão em vertiginoso crescimento, inclusive entre grupos inicialmente voltados para defender pessoas, é precisar conviver com o preconceito, a discriminação, a exclusão e a possibilidade de ter uma vida interrompida pelo ódio alheio. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans em todo mundo. Aqui, a estimativa de vida de pessoas trans é quase a metade das que não são. E a chance de viver uma vida minimamente respeitosa e plena diminui especialmente se forem pobres e se forem negras.

Mas não posso falar por elas. Não posso falar de uma dor que não é minha, posso apenas mostrar que ela existe. Mas sou mãe. Posso me colocar no lugar de outras mães. Tenho uma filha hoje com 6 anos. Criança que foi designada ao nascer como menina. E que eu não faço a menor ideia de quem se tornará. Vejo meu papel, como mãe, semelhante ao de uma jardineira: cuido, aparo, protejo, nutro e… deixo crescer e florescer, sem que eu possa escolher qual a cor de sua futura flor, ou mesmo se terá flor. E respeitar cada processo seu, amar cada fase sua, fortalecê-la e protegê-la como exercício do meu comprometimento com sua vida. Se sou mãe de uma pessoa trans? Ainda não sei. Mas outras mães já sabem que são. E é a voz de duas delas que trago hoje comigo.

Eu quis conversar com mães de pessoas trans e, em pouco tempo, cheguei a algumas delas. Duas se dispuseram muito gentilmente a conversar comigo, especialmente quando deixei claro que não estava em busca de informações íntimas, que eu queria apenas que outras mulheres mães pudessem ouvi-las falar, que suas vozes pudessem ter mais amplitude. Coincidentemente, ambas são mães de homens trans. E com histórias de vida bastante distintas. Elas são Ana (nome fictício) e Maria. Disse a elas que meu objetivo maior era que as pessoas soubessem de suas histórias, de suas alegrias ou dores, se receberam apoio, o que pensaram, o que sentiram, os desafios que superaram ou ainda estão superando e outras coisas que quisessem falar.

 

A HISTÓRIA DE ANA: “Aquela menina insegura e presa dentro de si mesma se tornou um jovem pleno e feliz”

Ana fez um relato que me emocionou muito. Porque vi estampado nele a preocupação com o bem estar de seu filho – a começar pelo fato de que ele é bastante reservado e ela o respeita muito, e por isso este é um relato anônimo. No fim, Ana abriu seu coração de uma maneira que me tocou profundamente. Afinal de contas, a Ana também pode ser eu, pode ser você, pode ser qualquer mãe que, um dia, ao viver isso, decida transformar uma história desafiadora em uma história de ainda mais amor, ainda mais união e ainda mais respeito –  e não em dor, como acontece com tantas pessoas trans que são abandonadas ou rejeitadas por suas famílias.

Um dos pontos de maior emoção de seu relato está justamente quando ela conta o que sentiu ao imaginar o que seu filho poderia ter vivido durante a infância e a adolescência, enquanto sua compreensão sobre quem ele realmente era ainda não estava estabelecida. Foi um aprendizado dos mais valiosos que já recebi, especialmente quando ela diz:

“Ter um filho transgênero não está no “menu” da maternidade! Você pensa nos perigos de sexo, drogas, gravidez indesejada, fracasso escolar, desorientação no mundo do trabalho, etc, mas não pensa na possibilidade de um filho pertencer ao gênero que não lhe foi designado biologicamente. Isso talvez fosse uma coisa interessante para se pensar em termos sociais: a importância de disseminar muita informação sobre o assunto (eu não sabia nada!) a ponto de naturalizar essa possibilidade na trajetória de um filho. Pode ser que seja Cis? Pode. Pode ser que seja homo, bissexual? Pode. Pode ser que seja trans? Pode”.

Ana me contou que seu filho nasceu menina, mas que nunca foi uma menina “típica”, como ela mesma usa. Nunca gostou de roupas tidas como muito femininas e outros sexismos atribuídos às meninas na infância.

“Isso nunca me chamou a atenção, porque eu própria não sou uma mulher tipicamente feminina: estou sempre de jeans e camiseta, não uso maquiagem, salto alto, etc. Além disso lhe demos uma educação muito pouco marcada por gênero: teve vestidos e bonecas, mas também ganhou carrinhos, bolas de futebol e sempre foi uma criança vestida para seu conforto e incentivada a brincar com objetos e pessoas não por serem ‘coisas de menina’, mas por serem legais e despertarem seu interesse”.

Nada em sua infância, segundo ela, parecia indicar algo a respeito de sua sexualidade ou gênero. Mas isso naquele momento. Hoje, ao olhar para trás, ela sente que várias questões estavam, sim, relacionadas a uma identidade cindida: timidez extrema, isolamento social, tendência a mentir ou esconder coisas. Como se sua criança estivesse presa num corpo que não correspondia à pessoa que ela experimentava. E essa, para ela, foi sua maior dor:

“Creio poder dizer que essa é a principal fonte da minha dor como mãe: imaginar o sofrimento dessa criança, que não tinha consciência do que se passava com ela, sofrimento do qual não tínhamos a menor noção, embora fôssemos pais MUITO presentes, afetivos e até excessivamente preocupados com o bem estar daquela nossa filha única”.

Perguntei à Ana quando ela começou a perceber que seu filho era alguém diferente de quem, biologicamente, ele havia nascido.

A questão da identidade de gênero, na verdade mascarada como sendo de orientação sexual, apareceu na puberdade, quando meninas e meninos passam a se vestir e se comportar de forma bastante estereotipada (e uniforme dentro dos grupos de gênero), o que era especialmente forte na escola burguesa e pseudo modernete em que estudava. O isolamento social tornou-se muito visível e difícil de lidar: as festinhas eram situações aversivas, não havia namorinhos no horizonte, aquela menina era considerada estranha e não se enturmava, nem com meninas nem com meninos. Nessa ocasião, começou a aparecer forte interesse por algumas meninas, que interpretamos como evidência de solidão e busca de uma ‘melhor amiga’, como todas tinham. Mas hoje é evidente que eram paixões adolescentes, que não podiam ser explicitadas, talvez nem para si mesmo”.

Ana também me contou que a escola não soube lidar de uma boa maneira com a situação, acabando por isolar a criança.

“A escola deixa essas crianças [que não brilham, mas não vão mal o suficiente para atrapalhar a classe ou os professores] como mera ‘paisagem’ e se ocupa dos alunos ótimos ou dos péssimos… A orientadora nos chamou pra contar de uma carta de amor da minha filha a uma colega, como quem revela uma doença. Neste momento ficamos bem desnorteados, mas a condição de transgênero nem passou pela cabeça. Nossa pergunta era: será que ela é homossexual?”.

Quem ajudou a família a passar por essa descoberta foi a terapeuta que o atendia desde criança e que, segundo Ana, foi muito cuidadosa ao pautar sua condição de transgênero de forma lenta, “…nos preparando para que o amor fosse maior que o susto”. Em um momento futuro, a outra escola em que ele estudou contava com um grupo de discussão sobre sexualidade e gênero, que ela considera muito importante. Especialmente a figura de uma professora que, segundo ela, foi fantástica: “… o pegou no colo e o ajudou a passar pela parte mais radical da transição”. Isso mostra justamente aquilo sobre o qual tanto falamos e as pessoas se esforçam por não ouvir: conversar sobre gênero na escola é fundamental, é insubstituível. É um meio eficiente para que crianças, adolescentes e jovens possam se descobrir e respeitar a si mesmo e aos outros, possam se proteger, possam se conhecer e ajudar os demais a também se conhecerem. Conversar sobre gênero é conversar sobre a vida que se pode ter, a vida que se quer ter, a vida que devemos permitir que os outros tenham.

Para Ana, os principais desafios de ser mãe de uma pessoa trans são, primeiro, compreender a questão. Depois, entender que o processo é longo e cheio de passos difíceis. “Mudança de nome, mudança de gênero nos documentos, tratamento hormonal, eventualmente cirurgias. Também o ajuste da forma de tratamento, do feminino para o masculino (a gente custa pra acostumar e os erros ofendem!). Ainda, o enfrentamento do assunto com as pessoas do entorno”.

Ana termina seu relato de uma maneira linda: falando sobre qual é o melhor presente para uma mãe.

“Depois de tudo isso, a maior realização: entender que ser transgênero não é escolha, não é invenção, não é modinha. É uma questão MUITO profunda, muito central na identidade da pessoa, muito essencial na construção de uma pessoa plena. Aquela menina insegura e presa dentro de si mesma se tornou um jovem pleno, feliz, realizado em todas as dimensões da vida. Vida fácil? Não, mas a vida não é fácil pra ninguém. Mas uma vida intensa, inteira, de verdade. Melhor presente para uma mãe”.

 

A HISTÓRIA DE MARIA: “Um momento de alegria: eu fui ao cartório, com a cópia do processo, solicitar a nova certidão de nascimento do meu filho”

Dom e Maria

 

“Ligia, meu marido é um homem trans. Você quer conversar com a minha sogra?”.

Foi assim que cheguei até Maria. Maria é mãe de Dom, um homem trans, casado com uma moça que muitas de nós já conhecemos e que admiramos muito por seu trabalho em defesa de outras mães. Maria é uma mulher muito simpática que aceitou prontamente conversar comigo. Ela me contou como descobriu a transição de seu filho, do que teve medo, as alegrias que sente e sentiu, o que teme em relação a ele e o que espera da sociedade com relação às pessoas trans.

“Dom já havia se mudado de Brasília para São Paulo quando resolveu abrir com o pai e foi ele quem me falou. Meu mundo caiu, pois até aí sabíamos da sua homossexualidade. Numa vinda dele a Brasília, foi que conversamos. Ele me explicou como seria todo o processo de transição e aí eu senti muito medo de que esse processo lhe trouxesse danos físicos… Antes meu medo se resumia apenas a preconceito. Ele já havia iniciado o processo quando resolvi contar pra família (meus irmãos, sobrinhos…). Tive apoio incondicional do meu marido e de poucas pessoas da família… Até hoje não falo abertamente no assunto com alguns deles. Muito preconceito e uma boa pitada de fanatismo religioso”.

Neste ponto, ao tocar na questão da religião, Maria conta algo muito surpreendente, que aproveito para ressaltar em função de sua relevância, especialmente numa sociedade que repete padrões e acha que todos os que são religiosos se comportam de uma mesma maneira:

“Por incrível que pareça, tive um apoio muito grande: de um padre da minha paróquia. Foi ele que me deu forças para abrir o jogo com as pessoas e me disse que era pra eu amar meu filho mais ainda a partir daquele momento… Que ele precisava muito de mim”.

De todos os desafios, Maria acha que o principal foi o de contar para sua família sobre a identidade de seu filho. Ela preferiu reunir seus irmãos e contou. Naquele momento, recebeu o apoio de uma irmã, que é madrinha de seu filho, e de um irmão.

“Hoje outra irmã e outro irmão já pedem notícias do Dom. Minha irmã mais velha nunca pergunta… No começo isso me machucava, hoje não mais”.

A maior dor que ela sente em função de ter um filho trans não diz respeito a ele, mas aos outros. Ela tem muito medo de que ele sofra preconceito e agressões físicas. E reconhece que a maior ajuda que a sociedade pode dar, aos filhos trans e suas mães, é se inteirar do assunto.

“Abrir mente e coração e procurar o que realmente acontece com uma pessoa trans. Dói muito quando a gente escuta alguém dizer que isso é safadeza, pouca vergonha. Pesquisei muito, li muitas matérias e estudos sobre o assunto”.

Quando Maria contou sobre suas alegrias, eu também me emocionei. E me lembrei do dia que fui ao cartório, com minha bebê recém nascida nos braços, solicitar sua certidão de nascimento. Um documento que atesta, perante o Estado e os outros, que sua criança está viva e existe. Maria colocou como número 1 em suas alegrias ter ido ao cartório solicitar a nova certidão de nascimento de seu filho… É inevitável pensar que, para além de todo desafio, existe essa coisa muito simbólica: uma mãe que aceita, apoia e acolhe seu filho trans, o vê nascer duas vezes. Como outras alegrias que só viveu porque tem um filho trans, Maria aponta as seguintes:

“A felicidade dele a primeira vez que se olhou no espelho após a mastectomia total. O diploma de curso superior com o novo nome”.

E quando ele conheceu sua esposa e decidiu viver com ela:

“Ali eu sabia que ele não estaria mais sozinho”.

Eu não quis – e não quero, neste texto – incentivar o lado da dor, da dificuldade, dos inúmeros desafios que essas mães precisam superar, junto com seus filhos. Quis mostrar que existem algumas alegrias que vêm justamente do fato de que seus filhos se assumiram outras pessoas. Que isso não é uma coisa obrigatoriamente ruim como tantas pessoas pensam, pelo contrário: que conhecer-se, amar-se, deixar-se desabrochar e viver pode ser tudo aquilo que alguém precisa para ser, de fato, feliz. E pego emprestado as palavras de Ana:

“A maior alegria é hoje ver meu filho, completando 19 anos nesta semana, bonito, com cuidados com o próprio corpo, autoconfiante, seguro e super bem informado sobre sua condição de transgênero, cheio de preocupações com problemas sociais, bom estudante, morando sozinho e trabalhando, com uma namorada firme e muitas meninas interessadas no rapaz interessante que ele se tornou”.

Por fim, lembro e reforço que essas duas histórias não refletem as imensas tristezas que grande parte das pessoas trans vivem, rejeitadas e abandonadas por suas famílias, sujeitas a violências das mais torpes, que tolhem suas vidas tão precocemente. Também enfatizo que não se trata de romantizar uma situação socialmente delicada e problemática. Mas de mostrar um outro lado sobre o qual a mídia de massa não tem interesse em mostrar. A mídia ajuda a produzir a realidade: se mostra apenas a dor, a dificuldade e o ódio, então a sociedade tende a ver apenas a dor, a dificuldade e o ódio. Palavras constroem realidades, já dizia Michel Foucault. Portanto, precisamos mostrar que, para além de todo o desafio, de toda a luta, de todo o ódio, de toda a complexidade social que as pessoas trans vivem, há a imensa possibilidade de duas vidas se encontrarem de maneira insubstituível, de mãe e filha, mãe e filho, se apoiarem como não seria possível de outra forma. Não tinha como intuito discutir a sociologia da transgeneridade, inclusive porque não tenho cacife para isso e há gente infinitamente mais preparada para isso que eu. O que quero, verdadeiramente, com esse texto é plantar uma semente de amor no coração das mães que, por ventura, estejam passando por isso e não estejam aceitando bem. Mostrar que o amor por um filho, por uma filha, precisa estar sempre de mãos dadas com o respeito por quem se é. Mostrar que é preciso que as pessoas trans não encontrem no coro de ódio contra elas as vozes de suas mães, de seus pais, de seus familiares. Que saibam que suas vozes serão ainda mais fortes se, junto, também ecoarem as vozes de suas mães. Porque “o amor sempre pode ser maior que o susto”.

Ah sim, um último adendo. Quando você encontrar uma mulher grávida, lembre-se que há muitas outras coisas que você pode perguntar além do “É menina ou é menino?”. Inclusive porque há respostas que nenhum ultrassom é capaz de nos dar. Você pode substituir o “É menino ou menina?” por “Posso te ajudar de alguma forma?”, por exe.

Fonte: Cientista que virou mãe

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