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Bahia de todos os sodomitas: roteiro LGBT da antiga Salvador
   2 de abril de 2021   │     20:26  │  0

Por: Luiz Mott –
Luiz Roberto de Barros Mott é um antropólogo, historiador e pesquisador, e um dos mais conhecidos ativistas brasileiros em favor dos direitos civis LGBT. Luiz Mott é uma das figuras mais conhecidas do movimento LGBT e foi considerado um dos gays mais poderosos do mundo em uma lista feita pela revista americana Wink.
O escritor Goethe acertou ao dizer que a homossexualidade é tão antiga quanto a própria humanidade. No caso da Bahia, nossos cronistas e missionários encontraram muitos índios “Tibiras”  e índias  “Çacoaimbeguiras” amantes do mesmo sexo, alguns vivendo uniões estáveis, outros com cabana no mato para receber amantes unissexuais. Uma dezena de colonos portugueses confessaram à Inquisição ter mantido relações homoeróticas na Bahia já nas primeiras décadas de nossa história. O mesmo ocorrendo com africanos escravizados, incluindo nossa primeira travesti, da etnia Manicongo, moradora na Ladeira da Misericórdia.

A rica documentação inquisitorial fornece interessantes detalhes de como era a vida dos “LGBT” na capitania da Bahia antiga. Além de Salvador, há registro de sodomitas de ambos os sexos vivendo em Ilhéus, Santo Amaro de Ipitanga, Cachoeira, São Gonçalo, Matoim, Cotegipe, Passé, Sergipe do Conde e del Rey. Também foram citados como moradia de homossexuais: as Ilhas de Maré e Itaparica, Ponta do Humaitá, Praia Grande, Rio Vermelho, Vila Velha, Itapuã. Dentro das muralhas da urbe soteropolitana, havia gays, lésbicas e até travestis vivendo, paquerando e transando “na Calçada de São Francisco, junto a Cadeia (subsolo da Câmara), atrás do Convento do Carmo, próximo à  ermida da Ajuda, na rua de São Francisco, na Rua Direita, detrás do muro arruinado do Convento de São Bento, na Fonte das Pedras”. Importantes imóveis históricos abrigaram sodomitas na Bahia antiga: as “Casas del Rei, Casas da Relação, Palácio do Governador” (Rio Branco), mas sobretudo as moradias de religiosos, como o Colégio da Companhia de Jesus, os Conventos de São Francisco, de Nossa Senhora do Carmo, dos Beneditinos, o Recolhimento da Misericórdia, a Ermida de Monte Serrat e Quinta dos Lázaros.” A homossexualidade era chamada, com razão, “vício dos clérigos”.

No nosso Dicionário  Biográfico dos Homossexuais da Bahia (1999), resgatamos 202 LGBT pertencentes a todos os estamentos: índios,  escravos, lavradores, comerciantes, militares, muitos padres e estudantes, funcionários públicos, adolescentes, idosos, mulheres e homens casados. Como celebridades praticantes do “abominável e nefando pecado de sodomia”: Diogo Botelho, 8º Governador da Bahia, construtor da Forte de São Marcelo; Câmara Coutinho, 31º Governador da Bahia, assim retratado por seu contemporâneo Gregório de Matos: “o rabo erguido em cortesias mudas, como quem pelo cu tomava ajudas…” e o médico Sabino Álvares (1833), corifeu da Revolta da Sabinada.

Foi na Sé da Bahia e antigo Colégio dos Jesuítas, assim como no Mosteiro de São Bento, dedicado a São Sebastião, ícone gay desde a antiguidade, donde se tem mais registro de incontáveis orgasmos de “fanchonos e somítigos”. Foi na porta da primeira Catedral onde a lésbica mais audaz da história baianense ouviu sua sentença por “namorar outras mulheres”, sendo açoitada pelas ruas da velha Salvador (1591). Já no carnaval (entrudo) de 1638, na Torre desse mesmo templo foram flagrados masturbando-se reciprocamente os estudantes Manoel de Leão e Bartolomeu Ferreira; em 1669, denuncia-se ser “fama constante sem diminuição que o Tesoureiro mor da Sé comete o pecado nefando com muitas e várias pessoas eclesiásticas e seculares”.

Salvador rima com sodomia, não com homofobia!

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