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Escritor português lançará livro sobre travestis brasileiras em Portugal
   25 de agosto de 2018   │     11:04  │  0

O livro Travestis Brasileiras em Portugal, do escritor português Francisco Luis será lançado no dia 8 de setembro, as 14:30, Chiado Clube Literário, que fica localilzado na Rua de Cascais, nº 57, Alcântara em Lisboa.

Francisco J. S. A. Luís nasceu em Lisboa em 1971. Foi investigador do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, é Doutorado em Antropologia Social e Cultural e Mestre em Direito Administrativo e Administração Pública. Travestis Brasileiras em Portugal foi certamente o seu primeiro grande exercício antropológico de integração conceitual  e humana do “outro”, diferente. Trata-se de um trabalho de 10 anos que finalmente cumpre o seu propósito; dar voz a quem não a tem.

Além do lançamento, o livro tera apresentações na casa do Brasil de Lisboa, e no rio de Janeiro, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Um pouco sobre a importância da obra Travestis Brasileira em Portugal.llll

O século XXI acentuou a celeridade dos processos globalizantels e a densificação de tecidos urbanos repletos de contrastes. O mundo já não é a preto e branco e o anonimato trouxe consigo a cor sob a forma de diferença, que, enquanto experiência vivida, se tornou comunitariamente possível na cidade. Quebra-se na prática a uni-direccionalidade entre sexo e género ou entre sexo e sexualidade, enfrentando-se esquemas de pensamento enraizados. O paradigma máximo desta autonomia sistémica alcança-se na construção de uma identidade travesti mutante, mutável e instável que acompanha um mundo profusamente povoado por fluxos intensos e interdependências várias. É na sociedade global que as travestis encontram espaço para a vivência transnacional e comunitária das viagens trans. Brasil, europa, cidade, prostituição e migração surgem como fatores chave para a sua disseminação geográfica e identitária. A rua tornou-se a sua nova casa e as outras travestis são agora a sua família.

Citações:

1

“Ao postular a correlação entre sistema sexo/sexualidade e sistema género, e a sua separação em termos de análise em trabalho posterior (in Vance, 1984), parece ela própria reconhecer o carácter utópico de uma sociedade sem géneros. Rubin vê assim a sua utopia também contraditada na prática por um ethos travesti, que assenta essencialmente no masculino e feminino, estruturais – ainda que, como se verá, de forma ambígua.”

2

“A forma como em contextos específicos se produzem sujeitos particulares revela‑se com carácter de evidência, segundo o autor, pelo facto de o SIM dito por uma mulher a uma proposta de sexo, poder colocá‑la fora do âmbito estabelecido pela heteronormatividade. “A yes to sex can also produce female subjects as being outside heteronormativity.” (Kulick 2003 in Cameron e Kulick, 2006:287). O dizer SIM num determinado sistema sociolinguístico marca sujeitos específicos. O homem deve dizer SIM e a mulher deve dizer NÃO, embora o seu NÃO possa ser entendido como um SIM. A mulher que diga SIM poderá deixar de ser apenas mulher – heteronormativamente integrada – e passar ser muitas outras coisas, maioritariamente pejorativas – heteronormativamente excluída pelos sistemas sexo e género. A linguística tem visto a sua relevância negligenciada como fator de ordenamento de comportamentos.”

3

“A São Paulo eu não queria voltar porque era muito problema e existia uma cidade perto que era Campinas. Fui para essa cidade, cheguei na cidade e lá tinha normas…para ficar na cidade tinha que fazer aplicação de 3 litros de silicone no mínimo com uma das cafetinas – aqui se diz chula – e se tinha que fazer uma conta no mínimo de $R1500 – (fumando) – eu queria ficar para trabalhar, tinha que fazer essa conta para deixarem a “gente” trabalhar lá. Fiz a conta e fui fazer aplicação de silicone.”

4

“Chegou uma época que começou a chegar amigas que queriam morar comigo e aí elas não gostaram (as cafetinas), acharam ruim e vieram falar para mim. Eu disse que eram só aquelas pessoas e que dali não saía mais, só que eu já estava cansada de rua…de muita coisa. Conheci um rapaz em Campinas que era muito temido lá! Não usava droga nem nada, mas era uma pessoa de atitude se tivesse que matar um, matava! E ele se interessou por mim e eu para poder ter um local tendo pessoas a trabalhar para mim, eu tinha que ter uma pessoa forte do meu lado!”

5

“Adriana é uma das muitas que um dia se cruzou com Cris Negão. Após um episódio dramático em que as forças policiais brasileiras a ameaçaram deter por tráfico de droga (que não possuía) ou, em alternativa, ficar com todo o seu dinheiro (chantageando‑a) viu‑se novamente obrigada a recomeçar do zero, momento coincidente com a detenção policial do seu marido em Campinas. Estes dois acontecimentos estimularam uma nova migração, desta feita para Indianápolis, centro de São Paulo. “Quando eu vi aquele negão vindo na minha direcção, meu coração bateu!” Era Cris Negão!” Rapidamente Adriana ficaria a conhecer as regras daquele ponto na cidade e quem as fazia. “Ei! Pra ficar aqui tem que roubar! Bicha que não rouba, aqui não fica! Eu digo! Ai meu deus do céu!”

6

“Também as travestis se enquadram neste perfil do migrante brasileiro que envia periodicamente remessas para o país de origem tendo como destino os familiares, maioritariamente “ ajudando” as mães.

Ajudo! Minha mãe, meus irmãos… é, a gente têm família, né? Sangue do sangue, não quero que ninguém passe necessidades! Aqui a gente não ganha muito, mas o pouquinho que a gente ganha aqui no Brasil é muito, né? O euro no Brasil são quase três vezes mais, quase três reais. Se eu junto 1000€ são R$3000.

As remessas não só reestruturam afectos, como revitalizam relações familiares total ou parcialmente destruídas aquando da sua saída de casa, motivada por desavenças familiares originadas pela orientação sexual e expressão de género.”

7

Demonstra‑se que em diferentes contextos, diferentes equações; pelo que ser travesti Brasileira está longe de significar criminalidade. O que as pessoas desejam é acesso a projectos de cidadania plena. Assim e apesar de tudo, iniciada quando ainda são adolescentes, a viagem de género parece tornar‑se menos tumultuada pela mobilidade geográfica. Todavia, há dilemas que durarão para sempre:

A todas entristece… claro… você vai chegando a uma certa idade que a solidão aperta… a solidão afecta a “gente”, a solidão… nós somos seres humanos… nós temos coração, nós… nós gostamos das pessoas, nós temos sentimentos, nós somos uma pessoa normal como qualquer uma outra. Não somos diferentes de ninguém, então quer dizer… chega a uma certa altura da nossa vida que a solidão chega e aperta… e quando aperta… olha… é triste, a “gente” sofre, chora e… mas não pode fazer nada! É uma viagem sem volta, é o que a “gente” tem de pagar pela mudança que a “gente” fez e o que podemos tirar disso é seguir a vida para a frente e tentar tirar proveito disso.”

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