Será possível ser heterossexual e apaixonar-se por um amigo gay ?
   14 de dezembro de 2014   │     19:30  │  0

Ponto de Vista

Por: Fernando Vieira -Tem 23 anos, pessoa trans* não binária,androssexual, ativista LGBT, educador, dedica-se aos estudo e pesquisa da Teoria Queer, vive em Fortaleza. Tem influências de Foucault e Deleuze, e lhe agradam Lacan e Slavoj Zizek. Contruibui também para os portais Me Representa e Em Neon, como colunista.

Essa semana fui procurado por um amigo e leitor que me dizia: “Sou heterossexual, mas estou apaixonado por um amigo meu, acho que ele é gay, mas não sei. É diferente. Nunca senti isso por nenhum homem”. Sua angústia era clara. Aquele era um desejo novo, e não apenas isso, era um desejo que poderia por em cheque sua identificação ou auto-identificação como heterossexual. A pergunta que ele me fazia era clara: E agora? Minha resposta foi, obviamente, deixe seus desejos fluírem. Não há problema nisso.

Mas há, certamente, uma questão como pano de fundo de tal pergunto e de tal desejo. O que é a heterossexualidade? Ao longo de muitos anos, diversas áreas das ciências humanas e biológicas tentam explicar a homossexualidade, sem terem, muitas delas (salvo a Teoria Queer) problematizado a própria noção de “heterossexualidade”, geralmente considerada como a sexualidade “normal”, “natural” ou mesmo “divina”, tomada como destino fixo de orientação para os gênero, arbitrária e socialmente determinados, homem e mulher.

Seria possível dizer: a heterossexualidade é uma construção social? Há quem o afirme. O que não é meu caso, talvez por falta de leituras, ou por falta de coragem, mas afirmo com convicção que a identidade heterossexual é construída socialmente, ao lado, e talvez, como sustentáculo de certos modelos utópicos de masculinidade e feminilidade e também, como sustentáculo da homotransfobia.

Há, há muto tempo um termo conhecido como “heterossexualidade compulsória”, ou seja, o peso, a obrigatoriedade de “ser heterossexual” desde antes de nascermos. Os pais, geralmente, pensam sobre isso, se têm uma filha logo pensam: “vou ter problema com meninos”, e se têm um filho dizem logo: “esse vai ser o pegador”, ou seja, a heterossexualidade é considerada a priori, e construída dessa maneira, nas brincadeiras, nos discursos escolares, na separação dos banheiros, na necessária afirmação da virilidade ou pureza ao longo da adolescência. Na literatura, nas novelas, quadrinhos. Há um mundo que diz: “seja heterossexual, seja normal”.

Mas, como a heterossexualidade consegue o status, a condição de sexualidade normal? Sabemos, que a homossexualidade (seu extremo oposto construído) existe desde o início dos tempos e em outras espécies animais, entretanto o termo “homossexual” surge no século XIX, antes disso eram os “invertidos”, “sodomitas”, “safistas”, o que os condenava era a prática sexual não-reprodutiva. Era a noção de crime contra a natureza. Com a ascensão dos discursos médico-psiquiátricos do século XIX, como nos conta Michel Foucault em “A História da Sexualidade I- A Vontade de Saber”, a sexualidade passa a ser discutida em termos de natalidade, de hormônios, de características físicas. Houve tempo, inclusive, que o homossexual era catalogado, pela magreza, tamanho do braço e possíveis traços de feminização do corpo.

A condição de patologização, perversão e anormalidade da homossexualidade, garantiu, portanto, ao seu inverso, a condição de “normal”. Muitos podem me dizer: “Fernando, claro que a heterossexualidade é normal, a maioria das pessoas são heterossexuais.” Faria sentido, se nesta afirmação não houvesse um claro processo de transformação da “média em norma” como nos diz Beatriz Preciado em seminário dado no Museo Reina Sofia na Espanha em 2013 (La Muerte de la Clínica), a média, neste caso representa a “maioria numérica heterossexual”, esta média é transformada em “norma” (condição de normal) e posteriormente naturalizada, através, muitas vezes, de discursos biologicistas. Entretanto, o avanço dos estudos da sexualidade, via Teoria Queer, nos traz a seguinte proposta para pensarmos: Todo heterossexual deseja igual? Ou a heterossexualidade seria uma projeção utópica, uma ficção política identitária e encarnada? (como diz Preciado em Seminário no Hay Festival em Cartagena)?

Neste sentido, podemos pensar que não exista “heterossexualidade” e nem tampouco “homossexualidade”, mas heterossexualidades e homossexualidades, sim, no plural, uma vez que cada indivíduo deseja de uma forma distinta, os desejos, são, creio eu, produtos de uma relação entre nosso “eu desejante” e os agenciamentos desejáveis que se constroem no mundo e se nos e impõem, há nele um “quê” de construído e um “quê” de “natural” (argh).

Entretanto, as construções normalizadoras do desejo, as famosas “caixinhas” funcionam como uma maneira de policiar, reprimir, culpar, anormalizar o desejo nascente. Porque foi tão estranho para aquele meu amigo pensar em desejar outro homem sendo heterossexual? Porque este desejo lhe parecia anômalo a sua condição de heterossexual. Se ele saísse com aquele amigo? Se eles fizerem sexo? Ele deixaria de ser heterossexual? Esta não é uma questão minha, e nem tampouco sua, caro leitor, mas dele.

Assim como ocorre com alguns gays de as vezes “saírem com mulheres” (um amigo também já me relatou algo semelhante, porém, numa mesa de bar), porem-se em crise, o mesmo ocorre com a heterossexualidade. O problema reside na naturalização, divinização da heterossexualidade, e, é claro, no processo de anomalização da homossexualidade.

Para concluir, afirmo de forma provocativa e contundente: Nem a heterossexualidade e nem a homossexualidade são naturais. Ambas são ficções políticas. Categorias normativas. Formas de normatizar o desejo.

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