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Envelhecer gay: os desafios de casais que enfrentam duplo preconceito
   23 de março de 2015   │     10:51  │  0

Na era da exaltação da juventude, a chegada da velhice é ainda mais complicada para os casais do mesmo sexo.

Carlos Eduardo e Osmir vivem juntos há 30 anos: mudanças no conceito de família. Foto: Zuleika de Souza/Correio Braziliense/Reprodução

Carlos Eduardo e Osmir vivem juntos há 30 anos: mudanças no conceito de família. Foto: Zuleika de Souza/Correio Braziliense/Reprodução

Com sorte, todos nós envelheceremos. Porém, mesmo esse processo sendo inerente ao ciclo, a passagem entre a idade adulta e a velhice carrega fortes preconceitos em uma sociedade que celebra a juventude como a fase mais importante da vida. Dessa forma, até mesmo expressões de carinho são taxadas, como se aqueles que se amam tivessem apenas alguns anos para expressar esse sentimento.

 O beijo protagonizado esta semana pelas atrizes Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg está longe de causar discussões apenas por ter sido entre duas mulheres. Ao demonstrar o afeto carnal entre pessoas idosas — as duas têm 85 anos —, a novela Babillônia trouxe à luz uma discussão que envolve dois preconceitos: a sexualidade e o envelhecer.

“Ao mostrar esse beijo, a novela só tem a colaborar, porque faz com que as pessoas sejam obrigadas a ver aquela relação de outra forma. Isso pode ajudar os casais homossexuais a se tornarem mais aceitos”, garante a profissional de educação física Ida Helena de Oliveira Lara, 51 anos. Ela, que assumiu a homossexualidade aos 23, acredita que se manter fora do armário depois dos 50 é sim um ato político, como define Teresa, personagem de Fernanda Montenegro, em uma das cenas do folhetim.

Ida mantém hoje um relacionamento com uma mulher de 63 anos que saiu do armário há pouco tempo. A educadora diz que é visível o quanto a decisão de não esconder mais a sexualidade fez bem à companheira. “E ela saiu abertamente, assumindo também nosso relacionamento para todos.” Identificar-se socialmente como homossexual, na maioria dos casos, implica em vencer os inimigos internos e reconhecer os de fora.

 Afinal, é partir dos avanços das minorias que os setores majoritários tendem a mostrar descontentamento de forma mais visível. Quando isso se soma à idade, a combinação não é facilmente suportada. “As pessoas mais velhas não correspondem aos ideais estéticos atuais, sendo alvo de apartação e bullying. Eu mesmo, com quase 69, já fui chamado de maricona gagá dentro do movimento”, afirma Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia e professor de antropologia da UFBA.

Mott aponta ser comum que mulheres lésbicas se assumam quando estão mais velhas, por conta das obrigações que ainda são impostas socialmente a elas. “Muitas também demoram por uma homofobia internalizada, de quem viveu a juventude em uma época na qual assumir-se gay era um ato de suicídio social”, explica. Para ele, o beijo entre as personagens da novela representa uma oxigenação nos movimentos de libertação e afirmação. “E também serve para chamar a atenção das autoridades às políticas públicas direcionadas ao público LGBT da terceira idade”, completa.

 Em nota, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) informa que não há registro de denúncias de violência homofóbica contra pessoas idosas no Disque Direitos Humanos, segundo o Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos. E informa que, independentemente da sexualidade, a prioridade da SDH é a garantia e promoção dos direitos fundamentais de toda e qualquer pessoa idosa. O reflexo de uma maior tolerância aos casais homossexuais se reflete, inclusive, na longevidade dos relacionamentos. Osmir Messora Junior, aposentado de 53 anos, mantém uma relação há 30 com o professor universitário Carlos Eduardo dos Santos, 55.

De acordo com ele, a união longeva entre homossexuais era algo bem menos comum na sua juventude, muito por conta do preconceitos que os próprios gays ainda mantinham internamente. “Era mais difícil eles aceitarem a ideia de um casamento porque o preconceito era muito grande. Hoje, vivemos um período de mudanças significativas nesse universo, e isso veio associado à maior tolerância”, acredita. Para Carlos Eduardo, algo fundamental para que eles sejam respeitados, independentemente da idade, é a forma como encaram a própria sexualidade.

 “Hoje, com 55 anos, vejo que o significado de amor é muito mais parceria e união que necessariamente sexo. Não que ele não seja importante. Mas não é disso que você viverá. Em um relacionamento heterossexual ou homossexual, a convivência será do mesmo modo. E a relação de respeito deve existir sempre.” Assim, ao estarem juntos há três décadas — e pais de quatro meninos, adotados em 2013 —, os dois compreendem que são, de certa forma, um exemplo para aqueles que não aceitam famílias formadas por casais homossexuais.

 “Ao longo desses 30 anos, temos feito tudo que é possível para provar que nós estamos juntos porque queremos. Se isso serve como exemplo, por que não? Isso não quer dizer que o nosso relacionamento não teve momentos difíceis, mas sempre achamos que era melhor apostar um no outro”, garante Carlos Eduardo. Seja com atrizes, seja com personagens reais, entender que a sexualidade é algo que não muda com a idade é uma forma de respeitar a si mesmo. Algo que, muitas vezes, não acontece com quem passa dos 50.

 “O preconceito com as pessoas mais velhas no ambiente gay existe. E isso faz até mesmo com que seja difícil para eles levantarem bandeiras. Há muitos casos de gays idosos que voltam para o armário a fim de conseguir um lugar em que serão cuidados nessa fase da vida”, assegura Osmar Rezende, presidente da ONG Libertos. Ele conta, inclusive, casos de travestis que precisam se vestir com roupas masculinas para conseguir vagas em asilos. “Dá para imaginar a dor que é abrir mão da sua liberdade para ter alguém que cuide de você?”, questiona.

Rezende também aponta a questão das políticas públicas como algo necessário para garantir cuidados específicos para homossexuais da terceira idade. “Não adianta apenas sair do gueto. É preciso lutar também por eles.” O professor universitário José Zuchiwschi, 56 anos, diz que a sociedade discrimina qualquer um fora da zona considerada como juventude. “E isso atinge também a comunidade LGBT, principalmente porque o mainstream da cultura gay é direcionado aos mais jovens.” Na opinião dele, que é homossexual, ao colocar duas mulheres para interpretarem um casal homoafetivo mais velho, a novela mostra que é possível vencer a formação educacional, familiar e cultural que estrutura ainda a personalidade de muitas pessoas a não aceitarem a homossexualidade.

 “Mesmo com o preconceito, hoje, há uma pressão bem menor para que os gays mantenham um padrão heteronormativo de comportamento. E isso se deve aos movimentos sociais que trouxeram nova visibilidade. Discutimos mais o preconceito, o que também fez com que as forças conservadoras se movimentassem”, explica.

 “Os mais jovens precisam lembrar daqueles que lutaram nas ruas. Essa bagagem história facilita a vida da juventude. É como se houvesse alguém dizendo: ‘Vocês não estão sozinhos’”, destaca. Além das lutas que preservaram a dignidade dos homossexuais mais velhos, o professor aponta que a expressão da sexualidade nessa fase da vida deve ser sempre celebrada. “Não há mais uma demonstração combativa. Mas é preciso se manter fora do armário porque você demonstra que isso é algo seu e sempre será, tornando o diálogo mais fácil e a solidão menor.”

Fonte: Correio Brasiliense 

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