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Biografia de Lou Reed fala de tratamento de choque e homossexualidade
   8 de junho de 2016   │     0:00  │  0

No livro, o autor Victor Bockris narra a personalidade do cantor e compositor nova-iorquino que esteve à frente do Velvet Underground, banda que revolucionou o rock nos anos 60

Recentemente lançada no Brasil pela editora Aleph numa versão atualizada, a biografia “Transformer – A História Completa de Lou Reed” – publicada originalmente em 1994, quando Lou tinha 52 anos -, promete reacender a chama em torno de um dos artistas mais emblemáticos e controversos da história da música, morto em outubro de 2013, aos 71 anos.

O título é uma referência ao clássico disco de 1972, seu maior sucesso fonográfico produzido por David Bowie e o guitarrista Mick Ronson. “Lou Reed foi a pessoa mais doce, charmosa, inteligente, articulada e engraçada que conheci em Nova York no início dos anos 70. Ele também podia ser o inverso. Drogas e álcool tiveram muito a ver com essas mudanças”, disse em entrevista ao Metrópoles o autor Lou Ree.

Nascido na Inglaterra e criado nos Estaod Unidos, Bockris fala com a propriedade de quem vivenciou de perto a cena junkie e hedonista nova-iorquina da época. Também autor nos anos 80 da biografia sobre o Velvet Underground, ele fazia parte da trupe do artista plástico Andy Warhol, no mítico estúdio da Factory, e trombava com as criaturas mais bizarras, insanas e criativas do mundo das artes. Lou Reed foi uma delas.

“Todos os meus livros têm dois aspectos em comum: eles se dedicam a grandes oradores, pessoas que passaram suas vidas construindo por meio da arte da poesia, das canções e entrevistas”, comentou Bockris, também autor das biografias do escritor beat, William Burroughs, dos roqueiros Patti Smith e John Cale, além do dândi Andy Warhol, os dois últimos parceiros de Lou nos anos seminais do Velvet. “Andy Warhol foi o grande líder e professor daquele futuro”, observou.

Registro envolvente e às vezes pessimista de uma trajetória marcada por conflitos pessoais, mergulhos quase suicidas no vício e polêmicas profissionais, “Transformer” também surge como uma espécie de radiografia sem filtro de uma carreira cheia de metamorfoses criativas e revoluções musicais. Judeu criado no Brooklyn, Nova York, Lou sonhou um dia em ser como Bob Dylan, mas driblou a hipócrita sociedade do seu tempo saltando para o lado selvagem da vida para se tornar uma espécie de Baudelaire da Música, com letras apologéticas sobre prostituição, travestis, universo gay, drogas e sexo. Ele rompeu barreiras, mas pagou um preço alto por isso.

Os tratamentos de eletrochoques a que foi submetido pelos pais na adolescência era uma tentativa frustrada de reprimir dois dos maiores pesadelos para uma família suburbana na década de 1950: a homossexualidade e o sonho de se tornar um rock star.

“Os horríveis tratamentos de choques pelo qual Lou Reed passou, no assustador Creedmore Mental Hospital, foram a primeira coisa que ele me contou quando o entrevistei em 1974, logo após o lançamento de “Rock ‘n’ Roll Animal”, lembrou o autor Victor Bockris, referindo-se ao visceral álbum ao vivo do artista, lançado em 1975. “Em outras palavras, era parte de sua imagem. Ele desafiou o status quo, o valor da obra de Lou Reed é como um teste decisivo da moral do seu tempo”, emendou.

Reflexos brasilienses
Foi o produtor e músico britânico Brian Eno quem fez a piada, numa entrevista nos anos 80. “O primeiro álbum do Velvet Underground vendeu poucas cópias, mas todos que compraram o disco montaram uma banda”. E deve ter sido mesmo. Em Brasília, por exemplo, no início dos anos 90, um jovem entre os seus 16 e 17 anos, se deixaria enfeitiçar pela psicodelia selvagem do famoso disco da banana. “Acho que o Velvet Underground é uma das bandas que me fizeram perceber o lado mais alternativo do rock, do proto punk, o wild side”, recorda Lucq Albano, líder e letrista do Suíte Super Luxo, importante grupo de rock alternativo da cidade. “Enfim, se há uma teogonia do rock, certamente o VU constela”, resume.

Vocalista da banda brasiliense Judas, o paulistano Adalberto Rabelo Filho não tem certeza se a primeira vez que deparou com o universo denso, sujo e iconoclasta das letras de Lou Reed foi por meio da voz de Michael Stipe, do R.E.M. – via “Dead Letter Office”, o raro álbum B- Side da banda de 1987 que continha três regravações de sucessos do Velvet: “There She Goes Again”, “Femme Fatale” e “Pale Blue Eyes” –, ou por conta da hedonista, “Venus in Furs”. Mas de uma coisa ele não esquece. O dia em que comprou o primeiro disco solo do ídolo, o clássico “New York”, lançado em 1989.

“Provavelmente foi lá na Modern Sound, em Copacabana. Não sei se por sorte ou sina, a casa da minha avó ficava em frente à loja, na Barata Ribeiro”, busca na memória o artista, confessando influência total do Velvet e seu mentor em sua formação como roqueiro. “Não só pela questão da iconoclastia e no confrontamento de valores, mas também pela qualidade e diversidade dos assuntos abordados nas letras. Ele não era de suavizar nada, doesse a quem doesse”, observa.

Para a jornalista e ensaísta Ellen Willis (1941 – 2006), Lou Reed cruzou a década de 70 deixando sua marca em todos os desenvolvimentos significante do rock ‘n’ roll, escreveu ela, fazendo alusão ao flerte do artista com o glam rock e o movimento punk, do qual é considerado padrinho. Para o músico Adalberto Rabelo Filho, passados 50 anos desde quando trilhou longa jornada noite adentro, no submundo vulgar da vida, o artista continua mais atual do que nunca.

“Infelizmente não tocamos músicas dele nos shows. Mas era uma boa. Acho que “There is No Time” (do álbum “New York”) teria ressonância nos dias de hoje”, provoca.

 

Leia a conversa de Victor Bockris com o Metrópoles:

Lou Reed e John Cale, seu grande parceiro nos anos de criação no Velvet Undergroud – “Lou Reed foi influenciado por várias pessoas em diferentes fases da sua vida. Acredito que John Cale foi a maior influência sobre as músicas de Lou Reed e os dois discos do VU que gravaram juntos (“The Velvet Underground and Nico – 1967 e “White Light & White Heat” – 1968). Antes de Cale, Lou estava escrevendo canções populares urbanas. Cale as transformou em sinfonias psicodélicas para uma época.”

Andy Warhol e o Velvet Underground – “Eu acredito que Andy Warhol teve também forte influência sobre a banda, em particular, no seu primeiro álbum, que ele realmente produziu. Warhol era a maior força na tomada do registro no estúdio. O apoio de sua presença e sua insistência para que o álbum fosse gravado cru em sua linguagem é um testemunho do poder de suas visões naquele mágico ano de 1966.”

O legado de Lou Ree – “Ele desafiou o status quo. Todos os artistas fazem. (…) Lou era um fabulista, era o seu trabalho tirar alguma coisa de suas experiências e transformá-la em parte de sua mitologia. Artistas não são pessoas perfeitas e Lou tinha muitas falhas. Um dos maiores paradoxos sobre sua carreira é que ela foi construída com o sucesso de excelentes escritores que escreveram de modo inteligente sobre ele durante quarenta anos de sua vida.”

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