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O beijo gay negro e o corpo político de Gê de Lima
   30 de maio de 2017   │     9:50  │  0

A liberdade conquistada aos poucos pelas minorias deve ser usada para uma nova conscientização.

O revolucionário ato de ser você mesmo é a constante busca de Gê de Lima. Nascido no Grajaú (SP), Gê é Jefferson Oliveira Santos Lima e faz parte das minorias: é negro, periférico e gay. Mas isso nunca foi insulto para seu talento, pelo contrário, foi empoderamento. Mesmo descobrindo-se co-criador da própria realidade como artista, Gê de Lima ainda experimenta todas as formas de discriminação e opressão, e encontrou na música (e na bela voz) instrumento de superação, auto-representatividade e seu protesto.

“Fotografia”, terceiro videoclipe lançado por Gê de Lima, é uma MPB romântica sobre a história de amor entre dois homens negros. Fazer a escolha pelo beijo duplamente fora dos padrões, e a favor da representatividade negra como ponto alto do clipe, é parte da indumentária de Gê de Lima. Sua auto-descoberta e aceitação são reflexos da desconstrução atual dos meios, dos padrões e do “normal”.

A liberdade conquistada aos poucos pelas minorias deve ser usada para uma nova conscientização, com mais autonomia, e é o que Gê tem feito, ajudando a abrir portas antes fechadas.Esse descobrir-se sem medidas resulta em pertencimento, não somente ao artista que procura crescer e conquistar seu público, mas também ao público que está à procura de identificação e exemplos de superação. Com essa ideia, Gê reuniu amigos e fãs para colaborarem no vídeo com uma foto de casal ou até solteirx, desde que fosse uma demonstração de amor sincero, e nada mais dono de si do que amar-se.

(Foto: Leo F. Carter)

O clipe e a figura de Gê vêm para firmar a importância do corpo político, o corpo empoderado. Em fotos recentes, ele escolheu posar nu como expressão da coragem de libertar-se dos estigmas, de mostrar-se sem a vergonha de estar bem em sua própria pele.

Enquanto se prepara para lançar o segundo trabalho solo, Gê de Lima canta ao vivo em 2 de junho no Galpão Cultural Humbalada, referência de diversidade no Grajaú, e tem participação confirmada no show do rapper JPA Epycentro, no palco do Centro Cultural Grajaú, na Virada Cultural, em São Paulo, no dia 21 de maio.

Sobre Gê de Lima:

O cantor e compositor paulistano Gê de Lima se destaca pelo timbre de voz, uma enorme extensão vocal e forte presença cênica no palco. Seu primeiro contato significativo com a música foi na adolescência, quando conheceu o cantor e compositor Chico Buarque de Hollanda. Na escola em que estudou, havia uma sala de aula batizada de “Sala Chico Buarque” onde, além das matérias tradicionais, os alunos aprendiam sobre a vida e a obra de Chico. A partir da experiência de conhecer Chico numa visita à escola, Gê passou a ser um admirador da música popular brasileira.

Iniciou sua carreira artística no teatro aos dez anos de idade e se profissionalizou como ator, em 2006. Em 2011, iniciou sua carreira solo e logo foi convidado para abrir shows importantes, como o do cantor e compositor Toquinho, dos irmãos Wilson Simoninha e Max de Castro, e Luiz Melodia. Gê participou de eventos como Virada Cultural Paulista, na cidade de Diadema (2012), e Virada Cultural (2013 e 2015), em São Paulo. Também em 2015, foi convidado para integrar o elenco do musical “Léo & Bia”, com direção de Oswaldo Montenegro.

Em 2014, o artista lançou o álbumMinha Conduta, com músicas inéditas de compositores como Marcus Vinile, Marco Mattoli, Walmir Borges e participações especiais do trombonista Bocato e do Pagode da 27. Neste trabalho, Gê de Lima fez uma releitura de “Com que Roupa”, de Noel Rosa, em versão blues, gênero musical com o qual se identifica muito. Esta é a primeira faixa do álbum a ganhar videoclipe, seguida de “Samba dos Outros”.

Atualmente, o cantor segue com a turnê do álbum e com a divulgação do clipe de “Fotografia”, que encerra o ciclo de Minha Conduta. Já com ideias encaminhadas para o segundo disco, que será de sua autoria, Gê de Lima adianta que será um álbum com força política, tratando de temas como liberdade sexual, diversidade, padrões, desigualdade racial e sexualidade.

Ficha técnica “Fotografia”:

Compositores: Marco Mattoli e Walmir Borges

Direção: Leo F. Carter

Produção de vídeo: Luciano Teck

Roteiro: Gê de Lima

Produção executiva: Estúdio Leo F. Carter

Participação especial: Wellington Santana

Texto: Mariângela Carvalho

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O que são pessoas cis e cissexismo ?
   22 de março de 2017   │     0:22  │  0

Artigo

Por: Hailey Kaas – blogueira na área sobre Feminismos, Transfeminismos,Gordofobias, racismos, Bissexualidades/Pansexualidades e Sexualidades não-binárias, Acessibilidades e outros elementos de Justiça Social.

Vivemos em uma sociedade ciscêntrica, cisnormativa. Isso ocorre porque as pessoas cis detém o poder de decisão sobre as pessoas não-cis dentro de vários âmbitos: Médico, Político, Jurídico, Financeiro etc.

Mas quem são as pessoas cis? Utilizei a seguinte definição a priori:

“Uma pessoa cis é uma pessoa na qual o sexo designado ao nascer + sentimento interno/subjetivo de sexo + gênero designado ao nascer + sentimento interno/subjetivo de gênero, estão ‘alinhados’ ou ‘deste mesmo lado’ – o prefixo cis em latim significa “deste lado” (e não do outro), uma pessoa cis pode ser tanto cissexual e cisgênera mas nem sempre, porém em geral ambos.”

Uma pessoa cis é aquela que politicamente mantém um status de privilégio em detrimentos das pessoas trans*, dentro da cisnorma. Ou seja, ela é politicamente vista como “alinhada” dentro de seu corpo e de seu gênero.

Quero evitar dicotomizar aqui sexo e gênero, pois muito embora essas categorias sejam divisíveis para problematização, a ideia que a ciência construiu sobre o sexo é pré-discursiva, ou seja, é como se fosse compulsoriamente uma verdade.

Voltando na definição cis. Eu já havia retificado minha afirmação prévia em outra postagem, na qual elimino a discussão etimológica sobre o prefixo cis, porque não é cabível em uma discussão que se quer puramente política. Não queremos criar uma dicotomia entre pessoas cis e pessoas trans* e sim evidenciar o caráter ilusório da naturalidade da categoria cis.

O alinhamento cis envolve um sentimento interno de congruência entre seu corpo (morfologia) e seu gênero, dentro de uma lógica onde o conjunto de performances é percebido como coerente. Em suma, é a pessoa que foi designada “homem” ou “mulher”, se sente bem com isso e é percebida e tratada socialmente (medicamente, juridicamente, politicamente) como tal.

Mas afinal o que é cissexismo então?

Primeiramente é a desconsideração da existência das pessoas trans* na sociedade. O apagamento de pessoas trans* politicamente por meio da negação das necessidades específicas dessas pessoas. É a proibição de acesso aos banheiros públicos, a exigência de um laudo médico para as pessoas trans* existirem, ou seja, o gênero das pessoas trans* necessita legitimação médica para existir. É a negação de status jurídico impossibilitando a existência civil-social em documentos oficiais.

Porém esses exemplos são mais óbvios, e poderíamos chamá-los simplesmente de transfobia. O cissexismo é mais sutil. Ocorre quando usamos o termo biológico para designar pessoas cis, quando usamos certos discursos e certas expressões que excluem ou invalidam direta ou indiretamente as identidades das pessoas trans*.

Cissexismo será, então, qualquer discriminação baseada em uma ou mais das noções descritas abaixo:

1) Só existe um tipo de morfologia (corpo) e este deve estar alinhado com o gênero designado ao nascer;

2) Só existem dois gêneros (binários: masculino/feminino) e que uma pessoa deve estar alinhada dentro de um desses dois;

3) Uma pessoa trans* tem uma vivência menos ‘verdadeira’, e/ou nunca será ‘verdadeira’ se não fizer modificações em seu corpo para ficar mais próxima de um dos gênero binários;

4) Uma pessoa precisa estar dentro de um desses gêneros binários, porque senão ela não será feliz ou não será aceita;

5) As pessoas que não se encaixam no binário são doentes mentais, tem patologia e precisam se tratar de algum modo para se curar e que essa cura ou será o alinhamento ou o processo transsexualizador;
6) O corpo da pessoa trans* é “bizarro” e ela não pode viver no “entre” (na fronteira);

7) Achar que uma pessoa ‘chama atenção’, ‘dá pinta’, é ‘escandalosa’ e não age como o esperado do alinhamento cis, e por isso ela irá prejudicar a causa LGBT; (Atenção porque esse discurso está bastante difundido no meio LGBT!)

8) Uso de termos ofensivos, mas que muitas pessoas (atenção, LGBT!) não acham ofensivos, ou evocar arbitrariamente (sem a permissão da pessoa) o nome designado ao nascer, a experiência “pregressa” (falar em “antes” e “depois” é cissexista também); termos como ‘transvestir’, ’transformista’, ‘traveco’, ‘transsex’, ‘t-gata’ (sim, ‘t-gata’ é um termo fetichizador cissexista e sexista também, objetificador: atenção pessoas que se identificam como “t-lovers”); uso de termos como crossdress, drag, drag queen/king, quando você não sabe qual é a identidade da pessoa;

9) Designar arbitrariamente a identidade da pessoa. Conhecer alguém e prontamente decidir qual é a ID da pessoa baseada na imagem – visual e/ou performática – (da sua posição cis) que você tem dela. Alinhar pronomes e identidades também é cissexista;

10) Na simples discriminação pela pessoa não ser cis, por ter qualquer comportamento diferente do esperado pelo alinhamento cis. Nesse ponto o sexismo também tem papel importante. Cissexismo e sexismo são faces da mesma moeda;

Em suma, por que nomear as pessoas cis?

Como eu disse mais acima, ser cis é uma condição principalmente política (mas não só). A pessoa que é percebida como cis e mantém status cis em documentos oficiais não é passível de análise patologizante e nem precisa ter seu gênero legitimado. Ora homens são homens, mulheres são mulheres e trans* são trans* correto?

Não. Historicamente, a ciência criou as identidades trans* (e por isso já nasceram marginalizadas), mas não criou nenhum termo para as identidades “naturais”. É por isso que a adoção do termo cis denuncia esse statusnatural. Denotar cis é o mesmo processo político de nomear trans*: nomeia uma experiência e possibilita sua análise critica. Nas produções acadêmicas contemporâneas, tanto das ciências médicas quanto das sociais, a identidade trans* é colocada sempre sob análise, tornando-se compulsoriamente objeto de critica.

A naturalização das identidades cis produz privilégios. Esses privilégios são diretamente percebidos na medida em que, como dito, pessoas cis não precisam ter sua identidade legitimada pela ciência; tampouco estão classificadas como doentes mentais em documentos médicos; não sofrem privações jurídicas de existência em documentos oficiais; não sofrem violência transfóbica e cissexista; não precisam dar explicações sobre suas identidades; não são vistas como pervertidas e nem tem sua sexualidade confundida com seu gênero.

Ao nomearmos @s “normais” possibilitamos o mesmo, e colocamos a categoria cis sob análise, problematizando-a. Buscamos o efeito político de elevar o status de pessoas cis ao mesmo das pessoas trans*: se pessoas trans* são anormais e doentes mentais, pessoas cis também o são, suas identidades também não são “reais”; se pessoas cis são normais e suas identidades naturais, pessoas trans* também são normais e suas identidades tão reais quanto.

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