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Todos sabem que Santos Dumont era gay, mas ninguém diz, afirma o escritor Arthur Japin
   14 de julho de 2016   │     0:00  │  0

Autor de “O homem com asas”, romance histórico que tem o aviador como personagem, estará nesta quinta na Feria do Livro de Canoas.

O escritor Arthur Japin: feliz em tornar Santos Dumont mais conhecido do público internacional

O escritor Arthur Japin: feliz em tornar Santos Dumont mais conhecido do público internacional

Se há algo em comum entre os romances históricos do escritor holandês Arthur Japin, segundo o próprio, é o fato de tratarem de pessoas que não se enquadram na sociedade e inventam uma forma criativa de “sobreviver”.

O mais recente desses personagens é Santos Dumont (1873 — 1932), o pioneiro brasileiro da aviação retratado no livro O homem com asas (Planeta, 288 páginas, R$ 41,90), cujo lançamento traz Japin à Feira do Livro de Canoas. Nesta quinta, às 19h30min, no Auditório da Praça da Bandeira, Japin conversa com o público ao lado do companheiro, o escritor americano Benjamin Moser, biógrafo de Clarice Lispector e ensaísta. Na entrevista a seguir, o autor defende que Santos Dumont é oficialmente o inventor da aviação — antes dos irmãos Wright — e argumenta que o suicídio do brasileiro esteve ligado à sua decepção com o uso militar do avião na Revolução Constitucionalista de 1932.

Como o senhor se interessou pela vida de Santos Dumont?

Já escrevi nove romances e todos são sobre o mesmo tipo de gente: alguém como Santos Dumont,uma pessoa solitária que não se enquadrava direito na sociedade. Ele era diferente sob muitos aspectos e teve que encontrar um jeito de sobreviver. Estou interessado em pessoas que fazem o impossível. Santos Dumont tinha dificuldade em ficar grudado no chão e de estar entre as pessoas. Ele era muito sensível, diferente, e desenvolveu um jeito de ir para cima.

Há uma controvérsia sobre quem foi o pioneiro da aviação: Santos Dumont ou os irmãos Wright. Qual foi sua conclusão?

Para mim, não há dúvida de que ele foi oficialmente o primeiro. Houve um grande prêmio entregue por um americano à primeira pessoa a voar em uma máquina mais pesada que o ar, e ele ganhou. Apenas depois disso os irmãos Wright disseram que foram os primeiros, mas ninguém os havia visto voar, exceto a irmã. Talvez eles tenham sido os primeiros, mas por muito tempo o mundo viu Santos Dumont oficialmente como o pioneiro. Depois, os irmãos Wright ficaram com essa honra, em parte devido ao próprio Santos Dumont. Com a I Guerra Mundial, ele estava tão decepcionado que o avião estava sendo usado para bombardear e matar, que ele não queria ter algo a ver com aquilo. De certa forma, deixou os irmãos Wright ficarem com a culpa pela invenção. Mas para mim ele é o vencedor.

O senhor é especialista em romances históricos. O que mais admira nesse gênero?

Minha inspiração sempre vem de uma pessoa real. De certa forma, é como se apaixonar: você vê alguém e quer saber tudo sobre ele. Você vê uma pessoa que teve uma vida difícil e questiona: o que aconteceu com você, como você sobreviveu? Responder a essa pergunta é o que me faz querer escrever o livro. Então, é a vida real que me inspira, não a vida ficcional. A parte maravilhosa é que você traz essas pessoas de volta à vida. Aqui na Holanda ninguém sabia quem era Santos Dumont, e agora todos sabem. Você faz as pessoas se lembrarem de alguém que havia sido esquecido. Sempre tento ser fiel aos fatos o máximo possível, mas o que me interessa realmente é a camada emocional além dos fatos: como essa pessoa sobreviveu.

Como você lida com a linha tênue entre fato e ficção? Preenche as lacunas com ficção?

Quando você estuda alguém, há uma voz que começa a emergir de alguma forma. Não importa o quanto se pesquisa um projeto, você nunca encontra tudo. Há sempre grandes lacunas. Nesse ponto, a voz responde quase por si mesma. Eu sei que se trata da minha voz, embasada por tudo que sei, mas é algo que faz parte da história. O aspecto maravilhoso é que, muitas vezes em minha vida de escritor, as pessoas continuaram me enviando materiais mesmo depois que os livros foram publicados, e descobri muito mais sobre o que escrevi. Muitas coisas que essa voz me diz ou que eu inventei correspondiam à verdade. Por outro lado, há muitos fatos reais em que as pessoas não acreditam, pois a vida real frequentemente é mais inacreditável do que a ficção. Às vezes, a verdade é algo que inventei e às vezes é algo tive que esquecer porque as pessoas não acreditariam.

Como foi sua pesquisa sobre a homossexualidade de Dumont, assunto ainda tabu no Brasil?

Fora do Brasil, não é um tabu. Ninguém na Holanda se importa se alguém é gay ou não. Isso é uma coisa muito brasileira. É um tabu aí, eu sei. Uma vez que você olha os materiais, as fotos, as entrevistas, as coisas escritas na época, não há dúvida de que ele era gay. É muito fácil de ver. No Brasil, todos sabem, mas ninguém diz. Não deveria importar. É apenas uma pessoa que ama, fica desapontada e ama de novo. Não há grande diferença. Vai ser interessante ver como as pessoas vão reagir. Sei que alguns não acreditarão que ele era gay. A questão que deveria ser feita é por que essas pessoas têm dificuldade em aceitar.

O suicídio de Santos Dumont estava ligado de alguma forma com a frustração dele com o uso do avião para a guerra?

Não há dúvida sobre isso. Ele estava desapontado, pois desejava a paz mundial. Seu sonho era que todos tivéssemos um pequeno avião do lado de fora de nossas casas, como temos um carro hoje. A ideia era que você pudesse pegar esse pequeno avião ou um balão para encontrar seus vizinhos ou ir aos países vizinhos. Você poderia aterrissar lá e mostrar que é igual a eles e que eles são iguais a você. Se todos entendessem isso, não haveria motivo para ter medo dos vizinhos. Ele realmente achava que isso traria a paz mundial. E, claro, aconteceu exatamente o oposto. Ele estava doente no fim da vida também, mas acredito que a frustração sobre o uso militar do avião (na Revolução Constitucionalista de 1932) deve ter sido uma das razões pelas quais ele decidiu que não queria mais viver.

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