Category Archives: Resistência contra a homofóbia

Bandeira LGBT é renovada e inclui trans, intersexo e luta antirracista
   7 de dezembro de 2022   │     13:18  │  0

No Brasil, o novo emblema foi lançado oficialmente na Parada do Orgulho em Copacabana

A bandeira LGBTQIA+ recebeu novidades que incluem o símbolo da comunidade intersexo – pessoas que não se enquadram na definição biológica de masculino e feminino -, as cores do orgulho trans e as listras que representam a luta antirracista.

No dia 27 de novembro, o redesenho da bandeira que representa a comunidade foi lançado oficialmente no Brasil durante a 27ª Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Copacabana, no Rio de Janeiro.

A atualização da bandeira vem após quatro anos de discussão. Em 2018, Daniel Quasar, designer não-binário, incluiu as cores que representam a comunidade e os símbolos do movimento que luta contra o racismo. O desenho incluiu as adições em setas, simbolizando o progresso.

Em 2021, a designer ítalo-britânica Valentino Vecchietti atualizou a versão de Quasar com a inclusão do símbolo do orgulho intersexo.

A tradicional bandeira do arco-íris foi lançada pelo designer Gilbert Baker em 1978, para o Dia da Liberdade Gay de São Francisco, na Califórnia, com objetivo de promover a diversidade.

Originalmente, a bandeira contava com oito cores que representavam aspectos diferentes: rosa – sexualidade, vermelho – vida, laranja – cura, amarelo – luz do sol, verde – natureza, turquesa – magia/arte, anil – harmonia/serenidade, violeta – espírito humano.

Posteriormente, as cores foram reduzidas para seis, sem o rosa e anil.

Recentemente, a bandeira foi bastante mencionada após o uso do símbolo ser proibido no Catar, sede da Copa do Mundo deste ano, onde a homossexualidade é ilegal.

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O histórico da repressão e resistência do movimento LGBT+ ao longo da ditadura
   8 de junho de 2022   │     15:24  │  0

A exaltação do período ditatorial brasileiro pelo governo Bolsonaro demonstra a extrema necessidade de prosseguir as discussões e os debates acerca dos direitos humanos e fundamentais que são, continuamente, cada vez mais atacados pelas práticas políticas do presidente e seus aliados.

No mês do orgulho LGBT, ainda têm-se muitos impasses para que se possa, de fato, celebrar tais vivências no Brasil. O fanatismo religioso, os ataques às instituições democráticas e a ascensão de um conservadorismo ferrenho são os alicerces que sustentam uma mentalidade retrógrada em grande parte do povo brasileiro. Embora a criminalização da LGBTfobia tenha sido um avanço, ainda é necessário a implementação de medidas que transmitam também para a realidade concreta o combate à intolerância.

Nesse sentido, cabe rememorar a trajetória de um grupo que teve papel fundamental na luta política e social durante a  ditadura militar, e que contribuiu também para o processo de redemocratização do país. Relembrar tal história é extremamente significante para o estabelecimento de uma posição política que se estrutura a partir do reconhecimento da importância da conquista e da manutenção de direitos, ponto essencial para combater o atual governo.

Ditadura militar e Repressão

A ditadura militar no Brasil (1964-1985) foi instaurada após uma série de imbricados eventos que culminaram no golpe de Estado que depôs o presidente João Goulart em 31 de março de 1964, arquitetado por militares das Forças Armadas e apoiado por diversos setores da sociedade, como a igreja católica, o empresariado e latifundiários. O regime autoritário foi classificado como necessário por tais grupos para impedir o suposto avanço do comunismo no país, representado pelas reformas de caráter popular de João Goulart.

A partir desse cenário, uma junta militar assumiu o poder do país, iniciando um período da história brasileira marcado por repressões à liberdade de expressão e aos direitos políticos e sociais, além de uma intensa perseguição àqueles que desafiassem se opor ao regime autoritário ou aos ideais defendidos por seus apoiadores. Desse modo, qualquer indivíduo que se excluísse dos padrões heteronormativos foi violentamente reprimido – censura, prisões arbitrárias e tortura foram apenas algumas das estratégias instrumentalizadas pelo governo militar para a repressão desses grupos sociais. As práticas governamentais autoritárias moldadas a partir do conservadorismo e da moralização foram responsáveis por difundir a ideia de que o comportamento degenerativo estava associado às pessoas LGBT’s, inimigos do Estado e da ordem política sob o foco de vigilância e suspeição por parte do regime. Apesar da repressão da população LGBT pelo Estado, surgiram formas de resistência que marcaram a história da comunidade no Brasil e devem ser mencionadas.

Resistência, luta e crescimento do movimento LGBT

A partir da década de 60, teve início a mobilização do movimento LGBT em defesa de seu reconhecimento e de seus direitos e contra o preconceito e a opressão da ditadura civil-militar. Ney Matogrosso e os grupos musicais Secos & Molhados e Dzi Croquettes, além de outros artistas, surgiam em palco trajando roupas consideradas femininas e colocavam em reflexão os papéis masculino e feminino ao público.

A imprensa alternativa também teve papel importante na oposição à ditadura, sendo um espaço de resistência que denunciava os abusos que eram cometidos pelo governo militar. Nesse espaço, o jornal Lampião da Esquina surgiu representando a população LGBT.

O Lampião da Esquina foi um jornal voltado para o público LGBT que circulou de 1978 até o início da década de 80, abordando assuntos relacionados à sexualidade, política, cultura e denúncias contra a violência homossexual praticada pelo regime militar. O jornal visava informar e resgatar “o fato de que os homossexuais são seres humanos e que, portanto, têm todo o direito de lutar por sua plena realização, enquanto tal”.

Esse tipo de imprensa sofreu com a censura e perseguição devido às críticas ao período militar. Além disso, para o regime, qualquer princípio que se desvirtuasse de seus conceitos conservadores e do que consideravam “moral”  poderia ser alvo de represálias e censuras. Por isso, o Lampião da Esquina, por ser um jornal da imprensa alternativa e com conteúdo alternativo ao considerado “adequado” pelo regime, foi acusado de atentado à moral e aos bons costumes e enquadrado na Lei de Imprensa.

Além do Lampião, o Grupo SOMOS: Grupo de Afirmação Homossexual, marcou a resistência LGBT, sendo a primeira organização politizada de gays e lésbicas no Brasil. Fundado em 1978, o Somos foi o primeiro coletivo brasileiro que visava defender os direitos da comunidade LGBTs em todos os âmbitos da vida social. O grupo promovia a consciência pessoal, reforçava a identidade com base em dados e vivências, fazia pesquisa e ativismo, fazendo ponte entre o grupo e as situações, pessoas e entidades externas.

O Grupo de Ação Lésbico Feminista (GALF) também fez história na resistência LGBT no período militar. O GALF realizou a primeria manifestação lésbica brasileira, ocorrida em 1983. Em julho do mesmo ano, militantes do grupo estavam vendendo o Boletim Chana com Chana – publicação ativista lésbica do Brasil – dentro do bar conhecido como Ferro’s, principal ponto de encontro das lésbicas. O proprietário quis expulsá-las, proibindo-as de vender os boletins. Nos próximos dois meses que se seguiram, enfrentavam resistência e ameaça por parte do porteiro que as tentava retirar dali. Assim, as lésbicas decidiram pela retomada do Ferro’s Bar e marcaram essa ação política para a noite de 19 de agosto do mesmo ano. A data ficou marcada como Dia Nacional do Orgulho Lésbico.

Durante as fases finais da ditadura militar, um certo episódio causou bastante comoção entre a população e a comunidade LGBT. Ocorreu a intensificação de rondas de policiamento ostensivo na área central de São Paulo, região sob o comando do delegado José Wilson Richetti. Essas rondas tinham como objetivo “limpar” a área central da presença de prostitutas, travestis e homossexuais.

A Ordem dos Advogados do Brasil se manifestou por meio da Folha de São Paulo, formando uma comissão de conselheiros para elaborar nota de repúdio às violências policiais praticadas sob comando do delegado Wilson Richetti. O Lampião também trouxe textos com denúncias sobre a repressão do delegado. Assim, no dia 13 de julho de 1980, em frente ao Teatro Municipal, foi feito um ato público que reuniu os movimentos sociais, como o LGBT, de mulheres, estudantil e negro, contra a violência policial de Richetti. Em uma carta aberta à população, assinada por 13 entidades, pediam a destituição de Richetti do comando da Delegacia Seccional. Segundo relatório da Comissão da Verdade, essa foi a primeira grande mobilização política do movimento LGBT brasileiro, sendo precursora da Parada do Orgulho LGBT.

A Comissão Nacional da Verdade

As Comissões da Verdade são instauradas pelo Estado, em períodos de transição política, para investigar situações de violações de direitos humanos ocorridas em seu território. Elas buscam analisar as circunstâncias nas quais se passaram esses ataques, desvendando os fatos que, muitas vezes, foram encobertos ou distorcidos pelo próprio Estado.  Diante disso, integrando parte dos eixos da Justiça de Transição, objetiva-se reconhecer,reparar e proteger essas vítimas de futuras violações de direitos e de se evitar a ascensão de novos governos autoritários, a partir da elaboração de relatórios e recomendações, com sugestões de reformas institucionais, revisões constitucionais e criação de instrumentos para consolidação da democracia.

No Brasil, a criação da CVN se deu com a elaboração de um Projeto de Lei pelo Governo Federal que foi enviado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva ao Congresso Nacional, com a consequente promulgação da Lei 12528/2011 em 18 de novembro de 2011. Em 16 de maio de 2012, a Comissão foi designada com a função de investigar e esclarecer as atrocidades cometidas pelos governos militares contra os Direitos Humanos ocorridas entre 1946 e 1988.

Contudo, as investigações, inicialmente, não se preocuparam diretamente em abarcar os movimentos de minorias sociais ligadas à comunidade LGBT, de modo que as formas de resistência realizadas por movimentos representativos desse segmento, não eram recorrentes no trabalho de Memória e Justiça no Brasil.  Somente a partir da realização da 98º audiência pública da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” (CEV de São Paulo), em 26 de novembro de 2013, com o tema “Ditadura e homossexualidade: resistência do movimento LGBT” que se começa efetivamente as discussões sobre a repressão às pessoas LGBTs durante esse regime autoritário.

Posteriormente, os membros da Comissão Nacional da Verdade realizaram uma segunda audiência, em conjunto com a CEV de São Paulo, intitulada “Ditadura e Homossexualidade no Brasil”. Em parceria com o Memorial da Resistência, essa audiência aconteceu em 29 de março de 2014. Com a presença de diferentes setores dos movimentos sociais de direitos humanos e LGBTs, ativistas que vivenciaram esse momento ditatorial e pesquisadores do tema foram responsáveis por retratar as variadas formas de repressão sofridas por essa minoria e seus instrumentos de resistência.

Após essas discussões, a Comissão Nacional da Verdade estabeleceu em seu relatório a recomendação 23, específica contra a discriminação do grupo LGBT que prescreve, entre outras medidas, a criminalização da homolesbotransfobia, a reparação às pessoas LGBTs perseguidas e prejudicadas pelas violências do Estado e a necessidade de se suprimir, nas leis, referências discriminatórias a esse grupo.

As sexualidades dissidentes inserem-se, por conseguinte, em um contexto de luta por verdade, justiça e reparação em relação aos crimes praticados durante a ditadura brasileira, exigindo visibilidade e a devida identificação de seus enfrentamentos durante esse período. Assim, foi notório o papel assumido pela Comissão Nacional da Verdade para a visibilização dessa comunidade na reconstrução das memórias da ditadura. O reconhecimento pela CNV da importância de se incluir, no trabalho de Memória e Verdade, um recorte sobre as perseguições sofridas pelas pessoas LGBT foi essencial para a inserção, na história oficial sobre a ditadura, das violências confrontadas por esse segmento em face de suas orientações sexuais e identidades de gêneros.

(Itália-Nápoles,06/08/2018) Movimento da parada LGBT. Foto:Sara Rampazzo

Portanto, relembrar tal período histórico representa o resgate de conhecimentos necessários para uma melhor configuração político-social brasileira. O direito à Memória e à Verdade demonstram ser essenciais para a conquista de espaços democráticos e por um país que, de encontro ao seu passado, reflete acerca das violações cometidas para que elas não voltem a se repetir.

Ainda, é possível perceber que a justificativa de contenção de ameaças utilizada no passado ainda marca a nossa trajetória política. Há e sempre houve – como mostra a história – a intenção de reprimir qualquer grupo que ouse imaginar novas formas de organização ou que subverta os ideais defendidos pelos grupos do poder. A ameaça à segurança nacional e à viabilidade do Brasil é ora atrelada a  grupos de esquerda, ora à população LGBT, por apresentarem, sob a ótica do Bolsonarismo, uma dissolução moral do país e um atentado aos bons costumes. O cenário brasileiro em relação ao assassinato de pessoas LGBT é um sintoma desse fenômeno.

Nesse sentido, rememorar não apenas as trajetórias citadas, mas todas aquelas que possuíram um papel significativo na conquista de direitos, deve ser um aspecto imprescindível na cultura política brasileira. No cenário atual, mais do que nunca, a luta por igualdade e pelo reconhecimento das instituições democráticas e das diversidades sexuais é constante.

Por : Ester Wagner Siqueira , Geovane Campos Alves  e Raissa Michaela Pereira Costa e Silva 

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Lista aponta 72 países do mundo perigosos para ser gay; veja quais
   13 de março de 2021   │     17:55  │  0

No Brasil, a LGBTfobia, criminalizada recentemente por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda é responsável por muita violência ,  assassinatos e  constrangimentos de pessoas da comunidade LGBTQIA+ . A situação é muito ruim, mas em outros 71 países do mundo é ainda pior: a homossexualidade é considerada crime. A gravidade de tal infração é tão alta que, em 13 países, pode condenar gays e lésbicas à pena de morte, em muitos dos outros pode levar à prisão.

A informação é de um relatório da Associação Internacional de Gays e Lésbicas, atualizado até 2016.

Somente na África é possível ser preso em 31 nações por ser lésbica ou gay. São elas: Argélia, Botsuana, Burundi, Camarões, Comores, Eritreia, Etiópia, Gâmbia, Gana, Guiné, Quênia, Libéria, Líbia, Malauí, Mauritânia, Maurício, Marrocos, Namíbia, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, Somália, Sudão do Sul, Sudão, Suazilândia, Tanzânia, Togo, Tunísia, Uganda, Zâmbia e Zimbábue. Recentemente, a Angola descriminalizou a homossexualidade .

Na Ásia há outros 23 países em que a detenção pode ocorrer apenas por parecer ser homossexual: Afeganistão, Bangladesh, Butão, Brunei, Gaza (no território palestino ocupado), Índia, Sumatra Meridional e Achém (na Indonésia), Iraque, Irã, Kuwait, Líbano, Malásia, Maldivas, Mianmar, Omã, Paquistão, Catar, Arábia Saudita, Singapura, Sri Lanka, Síria, Turcomenistão, Emirados Árabes Unidos, Uzbequistão e Iêmen.

Nas três Américas o relatório totaliza 11 nações: Antígua e Barbuda, Barbados, Belize, Dominica, Granada, Guiana, Jamaica, São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadina e Trinidad e Tobago. Já na Oceania, mais seis países: Ilhas Cook (associadas à Nova Zelândia), Kiribati, Papua Nova Guiné, Samoa, Ilhas Salomão, Tonga e Tuvalu.

Entre os 72 países, 13 localizados na África e na Ásia, com destaque para a região do Oriente Médio, se destacam por permitirem a aplicação de pena de morte para o crime de ser homossexual. São os países mais perigosos do mundo para ser gay:

1) Sudão
2) Irã
3) Arábia Saudita
4) Iêmen
5) Mauritânia
6) Afeganistão
7) Paquistão
8) Catar
9) Emirados Árabes Unidos
12) Iraque
11) Síria (em algumas partes)
12) Nigéria (em algumas partes)
13) Somália (em algumas partes)

 

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Audiência pública realizada hoje discutirá o formato do PL de criação da Delegacia Especial de Crimes contra Vulneráveis em Maceió
   15 de junho de 2020   │     13:19  │  0

O Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL), por meio da Coordenadoria de Direitos Humanos, promoverá hoje, segunda-feira (15), às 15h, audiência pública virtual para debater um projeto de lei para criação da Delegacia Especial de Crimes contra Vulneráveis em Maceió. Após os debates, realizados no dia mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, a proposta será encaminhada formalmente ao Governo do Estado.
A ação contará com a participação do presidente do TJAL, desembargador Tutmés Airan de Albuquerque, da juíza Juliana Batistela, que atua na 14ª Vara Criminal da Capital – Crimes Contra Populações Vulneráveis, do diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI, Toni Reis, e cerca de 50 representantes de religiões evangélicas, de origem africana, pastorais da Igreja Católica, do movimento negro, gay, da pessoa idosa, pesquisadores, entre outros.
A perspectiva é que a delegacia tenha competência para investigar os crimes cometidos contra, por exemplo, idosos, vítimas de intolerância religiosa, pessoas com deficiência, população em situação de rua, negros, ciganos, índios, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e congêneros, em virtude desta condição.
De acordo com a Coordenadoria de Direitos Humanos do TJAL, a audiência pública em caráter virtual, por causa do isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19, é fruto de compromisso assumido em diversas reuniões com entidades e lideranças desses segmentos, ao longo da gestão do presidente Tutmés Airan.
Em dezembro de 2019, o governador Renan Filho sancionou a lei que deu à 14ª Vara Criminal da Capital a competência para processar e julgar crimes praticados contra crianças, adolescentes, idosos, deficientes, moradores de rua, negros, índios e LGBTs.
Crimes dolosos contra a vida que tramitaram na 14ª Vara Criminal até a fase de pronúncia foram distribuídos para uma das Varas do Tribunal do Júri.
A Coordenadoria de Direitos Humanos foi instituída, também em dezembro do ano passado, com o objetivo de assessorar a Presidência do TJAL na formulação de políticas e diretrizes voltadas à salvaguarda dos direitos humanos e atuar na articulação de projetos com entidades estaduais, nacionais e internacionais, públicas ou privadas.

Fonte: Robertta Farias – Dicom TJAL

 

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A caça aos homossexuais e travestis na ditadura militar
   4 de fevereiro de 2020   │     0:00  │  0

Onde estavam as travestis durante a Ditadura? Além da caça à homossexuais e travestis nas ruas, para “limpeza”, empreendeu-se forte mecanismo de censura contra jornais, revistas, ou quaisquer outros meios que dessem alguma visibilidade a essas pessoas

história é uma narrativa, disso não há dúvidas. Quando abrimos um livro de história, ou ouvimos uma aula, ou estudamos para o vestibular, sabemos que aquilo que nos é contado é uma narrativa, uma forma de interpretar os fatos, a partir de certa perspectiva relacionada a um sujeito específico. Uma forma de olhar, ou como nos diria Donna Haraway, em seu artigo, “Saberes Localizados“, uma tecnologia do olhar.

Um saber localizado, a partir dos “corpos que importam” naquele contexto. Com a história da Ditadura ocorreu o mesmo. Nós aprendemos a lê-la e conhecê-la a partir de narrativas de heróis: Carlos Marighela, Vladimir Herzog, Frei Tito, e tantos outros nomes, que nos surgem em narrativas (merecidamente) heróicas de luta pela democracia.

Aos poucos, a história começa a nos contar nomes de mulheres, um trabalho árduo de pesquisadoras e feministas que olham novamente para aquele período e se perguntam: Onde estavam as mulheres? Assim surgiram nomes de mulheres vitais na luta contra o Regime Militar de 64: Amélia Teles, Ana Maria Aratangy, Crimeia de Almeida, Nildes Alencar, Maria Aparecida Contin, entre outras. Mulheres que foram invisibilizadas pelos relatos hegemônicos (masculinos) do período, mas que têm surgido como nomes importantes na luta pela redemocratização do país.

O saber histórico, ou seja, das narrativas, está em constante disputa. Precisa ser visto e revisto o tempo todo. No caso específico das pessoas transexuais, travestis, gays e lésbicas, é preciso um esforço na releitura do período da Ditadura civil-militar para encontrarmos nossa participação.

Tanto as violações que sofremos, quanto nossa participação nas lutas, como foi o caso de Herber Daniel, do Colinas (Comando de Libertação Nacional), organização à qual também pertenceu Dilma Roussef, nossa atual Presidenta.

Herber Daniel (Herbert Eustáquio de Carvalho), como nos relata o historiador James Green, brasilianista da Brown University, que por ser um homem gay, teve de esconder sua sexualidade para poder pertencer ao coletivo de luta anti-golpe, uma vez que a figura do homossexual, era tão apagada, desprezada e temida, que nem mesmo nos meios de esquerda eles eram aceitos.

O homem gay afeminado não “combinava” (cof) com a Revolução, havia, obviamente, um ideal de corpo revolucionário – este era geralmente viril, forte, másculo, heterossexual, cisgênero -, e não um corpo “degenerado”, “perverso”, “doentio” e “afeminado”.

Assim como Hebert, suponho que muitos outros homossexuais não podiam viver sua sexualidade livremente dentro de coletivos anti-golpe. Mas não foi apenas na “esquerda” que enfrentamos a intolerância e o preconceito. O governo autoritário da Ditadura Militar, tinha também, obviamente, um ideal de “povo” e de corpo são. Para isso, pôs em curso, um processo de higienização e caça à homossexuais, travestis, transexuais, e todo e qualquer desviante sexo-gênero, e “degenerados”. Amparados por uma ideologia cristã de família e moral, os governos municipais e estaduais realizaram verdadeira caça à homossexuais e travestis no Brasil, como nos conta o relatório da Comissão Nacional da Verdade – CNV , em capítulo destinado à violência contra a população LGBT.

O processo de limpeza e higienização era feito através de “rondões”, nas palavras do relatório da CNV, escrito por Renan Quinalha:

Em 1º de abril de 1980, O Estado de São Paulo publicou matéria intitulada “Polícia já tem plano conjunto contra travestis”, no qual registra a proposta das polícias civil e militar de “tirar os travestis das ruas de bairros estritamente residenciais; reforçar a Delegacia de Vadiagem do DEIC para aplicar o artigo 59 da Lei de Contravenções Penais; destinar um prédio para recolher somente homossexuais; e abrir uma parte da cidade para fixá-los são alguns pontos do plano elaborado para combater de imediato os travestis, em São Paulo”. (Relatório CNV, pg. 297)

Ainda segundo o mesmo relatório, foi estabelecido formas de “medir” o corpo das travestis, recolher suas imagens para “averiguação” a fim de determinar o quanto perigosas elas poderiam ser. O risco que ofereciam, nas palavras da Polícia, era de perverter e incentivar a juventude, além de propagar tais “abomináveis” práticas. Foi estabelecida uma associação direta entre os desvios sexo-gênero e a ideologia comunista. De modo que, a prisão de homossexuais e travestis, deveria ser feita de forma prioritária, como uma das formas de combate à perversão perpetrada por “comunistas”.

É importante perceber a ênfase sobre a “imagem” da travesti. No período da Ditadura, conhecemos nomes de travestis que se saíram muito bem, como é o caso da travesti Rogéria. Mas que imagem ela possuía? Porque não era uma imagem perseguida? Esta não é uma reflexão que caiba neste texto, talvez em um próximo. Mas pensarmos acerca disso é importante.

No RJ, a travesti, negra e chacrete, Weluma Brum, nos relata suas experiências com a polícia. Naquele momento, Weluma nos narra, que certa vez, ao ser parada pela polícia enquanto se prostituía na Central do Brasil-RJ, fora obrigada a fazer sexo oral nos policiais para não ser presa. Isso depois de apanhar de 4 policiais, que lhe batiam e davam choques. Depois, Weluma conheceu a estratégia mais comuns entre as travestis para evitar a prisão, segundo ela “Nós nos cortávamos com gilete, para que os policias não nos prendessem, vejam aqui, tenho ainda cicatrizes. Eles tinham medo que a gente se cortasse”. Este medo, é claro, advinha do estigma de serem soropositivas, afinal, é neste período que a AIDS é considerada “o câncer gay”, a partir de uma cruel biopolítica.

Outro importante aspecto do depoimento de Weluma, é quando ela diz: “Eu não sabia o que era uma travesti, jamais tinha ouvido falar disso”. No período da Ditadura, como nos relata o texto final da CNV, outra forma de perseguir e invisilibizar travestis e gays é a censura, que impedia que o tema fosse falado, comentado, na televisão e em jornais.

O jovem homossexual, a jovem trans ou travesti, não tinha como saber de sua sexualidade ou de sua identidade de gênero. Não havia representação na mídia, revistas, ou outras formas de conhecimento. O que havia era aquilo que Hannah Arendt chama de “profundo sentimento de não-pertencer”, o pensar estar sozinho “Será que apenas eu sou assim”?, “Havia bares e todo um sub-mundo gay”, frequentemente invadidos pela polícia, e de difícil acesso para o jovem homossexual ou travesti pobres.

Não havia parâmetro de identificação com outros sujeitos como eles. Havia, outrossim, os discursos pecaminosos. Na pesquisa para a elaboração deste texto, não tive contato com nenhuma pesquisa sobre a taxa de suicídio de jovens durante a Ditadura Militar, suponho que deva ter sido alta, sobretudo entre os jovens LGBTs (termo ausente naquele período).

Também gostaria de exemplificar, com um trecho do Relatório da Comissão Nacional da Verdade, o olhar que a Ditadura civil-militar de 64, possuía acerca de gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e demais desviantes sexo-gênero:

A Revista Militar Brasileira, por exemplo, entusiasta do golpe, publicou artigos lamentando o declínio moral e o perigo da homossexualidade para a sociedade defendida por eles. Em 1968, no artigo “Rumos para a educação da juventude brasileira”, o general Moacir Araújo Lopes, membro do conselho editorial da revista, culpou a “infiltração comunista” feito por “pedagogos socialistas-radicais” como a causa do “desastre” cultural, religioso e sexual que a juventude vivia: “realmente, como designar a aceitação do homossexualismo, a vulgarização, entre a mocidade, do uso de entorpecentes e de anticoncepcionais, o enaltecimento do adultério, a aceitação pública da troca de esposas por uma noite, etc., etc., etc.”. Em 1969, o general Márcio Souza e Melo escreveu que “publicações de caráter licencioso (…) poder[ão] despertar variadas formas de erotismo, particularmente na mocidade, (…) contribuindo para a corrupção da moral e dos costumes, (…) sendo uma componente psicológica da Guerra Revolucionária em curso em nosso País e no Mundo”. Já em 1970, na revista Defesa Nacional, um autor, que usou um pseudônimo, argumentou que a mídia estava sob a influência da “menina dos olhos’ do PC” ( Partido Comunista, parênteses incluído por mim) e que os filmes e a televisão estavam “mais ou menos apologéticos da homossexualidade”. O general Lopes também publicou, na Defesa Nacional, um artigo contra “a subversiva filosofia do profeta da juventude” Herbert Marcuse, cuja filosofia promovia “homossexualismo” junto com “exibicionismo, felatio e erotismo anal”, além de ser parte de um plano de “ações no campo moral e político que (…) conduzirão seguramente ao caos, se antes não levassem ao paraíso comunista”. (Relatório CNV, pg. 292)

Além da caça à homossexuais e travestis nas ruas, para “limpeza”, empreendeu-se forte mecanismo de censura contra jornais, revistas, ou quaisquer outros meios que dessem alguma visibilidade a essas pessoas transviadas. Notório foi o caso do jornal “O Lampião da esquina”, destinada ao público homossexual, e que foi combatida amplamente pela censura, porém resistiu.

Quero destacar aqui, que para o olhar da Ditadura e dos sujeitos naquele período, não havia a distinção entre orientação sexual e identidade de gênero, como hoje o fazemos. Éramos todos “homossexuais” para eles. De modo que os registros da Ditadura, não esclarecem com clareza quem era travesti e quem não era.

Outro aspecto importante é sabermos que durante este período a homossexualidade (então conhecida como “homossexualismo”) era entendida como uma patologia. Muitos gays, lésbicas, travestis e transexuais foram internadas em manicômios como o Manicômio do Juquery, em SP, e o Manicômio de Barbacena, em MG. Alguns dos relatos destas pessoas podem ser conhecidos nos textos da historiadora Maria Clementina, do Departamento de História da Unicamp.

Quero ressaltar ainda a participação das lésbicas na resistência à Ditadura, com destaque à Cassandra Rios, autora do livro, censurado e proibido em livrarias, “Eudemônia”. Cassandra foi diversas vezes processada e perseguida pela Ditadura, não tendo havido ninguém que a defendesse ou se mobilizasse contra a perseguição realizada contra ela.

No movimento LGBT, lembramos sempre da Revolta de Stonewall, e esquecemos (ou desconhecemos) que o Brasil teve também a “mini-revolta de Stonewall” que ocorreu em São Paulo, no Ferro’s Bar, bar em que lésbicas reagiram a tentativa de expulsão delas, tanto pelo dono do estabelecimento, quanto pela polícia. Naquele espaço, panfletos de luta e liberdade sexual eram vendidos, e o ainda incipiente ativismo era discutido.

Renan Quinalha e James Green, recentemente lançaram um livro sobre o tema intitulado: “Ditadura e homossexualidades: Repressão, Resistência e busca da verdade” (Publicado pela EdUFSCar. Conversei ontem com Renan acerca do título do livro, e perguntei: “Por que homossexualidades?”, Renan me respondeu que não queriam ser anacrônicos, pois naquele momento, não havia a sigla “LGBT” e nem tampouco, se falava em “travestis”.

A justificava do autor é plausível, porém, é importante a problematização (que o livro traz já em seu primeiro capítulo) de que a travestilidade e a transexualidade não são “tipos de homossexualidade”, como sugere o título, uma vez que, já o sabemos com clareza desde Gayle Rubin e o artigo “Traffic in women: notes on the political economy of sex”, que orientação sexual e identidade de gênero são conceitos distintos. No caso específico do livro de Quinalha, é importante notar que, para o olhar da Ditadura, a travesti é apenas mais um tipo de ” gay”, e que o livro, por pretender-se fiel ao período, optou por tal nomenclatura.

O trabalho de encontrar onde estávamos ao longo da Ditadura apenas começou. Os sujeito desviantes, passam, agora, pelo momento de olhar para si, e se perguntar “Onde estávamos”?. O que sabemos hoje, é que a violência contra a comunidade LGBT, se deu em diversos âmbitos, na limitação de suas potências artísticas, na participação política, no trabalho, no exercício da liberdade, no conhecimento de si mesmo. Na patologização (ainda hoje sofrida pelas pessoas trans).

Fonte: Pragmatismo Político

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