Sou intersexual, não hermafrodita
   5 de novembro de 2017   │     0:40  │  0

As pessoas que não se encaixam na atribuição tradicional do sexo pedem maior visibilidade, sem clichês ou desinformação.

Até os 18 anos, Claudia não conseguia dar nome ao que lhe acontecia. Não tinha menstruação e mantinha alguma lembrança borrada de uma cirurgia quando pequena, mas nada além disso. Até que por uma mudança na clínica, o médico pediu seu prontuário à enfermeira: “Me traga a ficha da Síndrome de Morris”, ouviu. Memorizou o nome e depois consultou-o na enciclopédia médica de sua colega de apartamento. Ali encontrou o pedaço de sua vida que faltava. “Senti alívio, porque finalmente soube o que tinha, mas o que realmente pensei foi: ninguém vai saber sobre isso”. Claudia descobriu que tinha nascido com a síndrome da insensibilidade parcial aos andrógenos, um dos tipos de intersexualidade mais comuns. Tinha as características físicas de uma mulher, mas os códigos genéticos de homem.

“Somos intersexuais, não hermafroditas. Se dá como certo que o homem é XY e a mulher XX, mas não em todos os casos”, destaca. Ela tem consciência de que a percepção social continua associando o termo grego a todas as condições de intersexualidade e persiste a ideia de que são pessoas com genitais masculinos e femininos ao mesmo tempo. Não é assim. O mito, o tabu e a lenda distorcem uma realidade muito mais complexa. “Há mais de 40 causas diferentes para sua origem e a cada ano alguma nova é descrita. Há muitas possibilidades, a intersexualidade acontece quando há uma discrepância entre o sexo genético, o da gônada e o dos genitais”, explica a médica Laura Audí, pesquisadora do grupo de Endocrinologia Pediátrica do hospital Vall d’Hebron, em Barcelona.

A OMS estima em 1% a porcentagem de pessoas intersexuais no mundo todo, mas os dados sobre a prevalência na Espanha são uma incógnita: “Podemos estimar criando paralelos com as estatísticas americanas, apesar de não ser de todo exato. Estaríamos falando que por ano nascem 250 pessoas intersexuais na Espanha”, explica o jurista Daniel J. Garcia, especialista no tema e autor do livro Sobre el derecho de los hermafroditas (sem tradução ao português).

Os bebês como Claudia, com algum tipo de discrepância genital, trazem consigo uma pergunta espinhosa: menino ou menina? A lei espanhola obriga a registrar um recém-nascido no Registro Civil sob um dos sexos em um prazo de 72 horas. Um jogo de dados contra o relógio, no qual os pais ouvem a equipe médica interdisciplinar (endocrinologistas, pediatras, cirurgiões e geneticistas) que estuda as características preponderantes no bebê para atribuir-lhe o gênero. A decisão fica na mão dos pais, mas as associações ativistas denunciam que durante muitos anos a informação que lhes foi proporcionada era escassa e ambígua, e ainda persiste um grande déficit. “Era tal a confusão que eu mesma tive de explicar para minha mãe quando soube aos 18 anos o que exatamente tinha me acontecido”, lembra Claudia. Para seus pais, há 36 anos, chegou-se a recomendar que não pesquisassem muito sobre o assunto e que fossem discretos.

 

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