Homossexualidade animal. Os bichos saíram do armário há muito tempo.
   15 de janeiro de 2015   │     0:00  │  0

Ponto de vista

Por: Eduardo Arraia

Um estudo de biólogos norte-americanos mostra que comportamentos homossexuais entre os animais são muito mais comuns do que normalmente imaginamos. E lançam uma hipótese audaciosa: eles ajudam a orientar a evolução da fisiologia dos animais, da história da vida e do comportamento social.

A existência dos relacionamentos homossexuais no reino animal não é novidade – em 1999, por exemplo, o zoólogo canadense Bruce Bagemihl descreveu, em seu livro Biological Exuberance, o homossexualismo em mais de 400 espécies diferentes, e diversos estudos já trataram do tema nos últimos 25 anos. O que não havia ainda era um exame desse comportamento especificamente em termos de suas consequências evolutivas, já que o homossexualismo, em princípio, vai contra a continuidade das espécies. A lacuna começou a ser preenchida em 2009, com a divulgação de uma revisão de literatura científica feita por dois biólogos da Universidade da Califórnia em Riverside, Nathan Bailey e Marlene Zuk.

Segundo o trabalho, publicado no jornal Trends in Ecology & Evolution, está comprovado que os relacionamentos entre parceiros do mesmo sexo são generalizados no reino animal, abrangendo desde os vermes até os primatas. Vão muito além, portanto, dos exemplos mais conhecidos, como os pinguins, os golfinhos, os macacos bonobos e as moscas drosófilas. Mas, alertam os autores, há uma diferenciação que não estava sendo observada: os comportamentos homossexuais não são os mesmos entre as espécies, e os pesquisadores podem estar chamando diferentes fenômenos por um mesmo nome.

Lesmas marinhas são todas machos no início

Uma drosófila macho, por exemplo, pode cortejar outros machos porque lhe falta um gene que permite perceber as diferenças entre os sexos. O golfinho macho não tem esse problema, e quando toca seus genitais junto com outro macho, ou penetra o orifício respiratório de um parceiro, busca na verdade estreitar os laços com o grupo. Os sapos, por seu lado, em geral não fazem discriminação entre os sexos, e as lesmas marinhas são todas machos no início, mas, ao acasalarem com outro macho, um deles oportunamente desenvolve características femininas.

Um caso emblemático sobre o qual Bailey e Marlene se têm debruçado com mais atenção é o das fêmeas do albatroz-de-laysan (Phoebastria immutabilis), ave encontrada no Havaí. Esses pássaros formam casais lésbicos – às vezes por toda a vida – para criar os filhotes, especialmente quando há escassez de machos. Quase um terço dos casais da espécie são formados por fêmeas, e comparativamente eles são mais bem-sucedidos na criação dos filhotes do que as fêmeas “solteiras”, o que ajuda na preservação da espécie.

Para Bailey e Marlene, os comportamentos homossexuais encontrados no reino animal vão além de representar um aspecto vantajoso em termos evolutivos. “Comportamentos homossexuais – a corte, a cópula ou os cuidados com os filhotes – são características que podem ter sido moldadas pela seleção natural, um mecanismo básico da evolução que ocorre ao longo de gerações sucessivas”, disse Bailey. “Mas nossa revisão também sugere que esses comportamentos podem agir como forças seletivas por si próprios.”

Aprimoramento dos mecanismos de defesa

Em geral, os biólogos tomam como ponto pacífico que as pressões seletivas atuantes na evolução têm origem exclusivamente ambiental – estão relacionadas, por exemplo, ao clima, às temperaturas ou aos aspectos geográficos de uma localidade específica. O trabalho de Bailey e Marlene indica que as condições sociais também implicam consequências evolucionárias significativas, que só agora começam a ser consideradas. “As relações homossexuais poderiam mudar radicalmente essas circunstâncias sociais, por exemplo removendo alguns indivíduos da relação de animais disponíveis para cruzar”, avalia o autor.

Outra possibilidade é o aprimoramento de mecanismos de defesa, como o usado por gafanhotos machos. “Por exemplo, as cópulas entre gafanhotos machos podem ser penosas para o inseto penetrado, e esse aspecto pode, por seu lado, aumentar a pressão seletiva para a tendência dos machos de liberar uma substância química chamada panacetilnitrila, que serve para dissuadir outros machos de tentar penetrá-los”, diz Bailey.

De acordo com o biólogo, os comportamentos sexuais são distribuídos de maneira flexível em diversas circunstâncias – por exemplo, como táticas reprodutivas alternativas, como estratégias de procriação cooperativas, como facilitadores do estabelecimento de laços sociais ou como mediadores de conflitos entre os sexos. “Uma vez que essa flexibilidade esteja estabelecida, ela se torna por si própria uma força seletiva que pode levar a seleção a outros aspectos da fisiologia, da história da vida, do comportamento social e até da morfologia”, ressalta Bailey.

O desafio dos grandes primatas

À medida que se ascende nos reinos animais, fatores adicionais vão tornando cada vez mais difícil explicar a homossexualidade. O ápice dessa complexidade são, sem dúvida, os humanos, mas os macacos bonobos, os mais próximos de nós, também reservam muitos mistérios nessa área. Eles exibem seu comportamento homossexual por meio de relações sexuais entre fêmeas (que frequentemente chegam ao orgasmo) e trocas de beijos e sexo oral entre machos.

Os mecanismos que regem esse comportamento ainda são desconhecidos, mas os cientistas já juntaram algumas peças para decifrar o enigma. A hereditariedade, por exemplo, tem seu papel na equação: estudos com gêmeos revelaram que os genes do indivíduo podem indicar uma tendência a ser homossexual.

Tags:,

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *