Jovem é torturado em ritual de purificação de gays em BH
   21 de outubro de 2014   │     0:00  │  0

grindr_blogpluralA barba queimada e o braço machucado denunciam a violência, mas o que aconteceu com um auxiliar administrativo de 19 anos, morador de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, ainda é um mistério. Ele diz ter sido torturado, na tarde da última quarta-feira (17), ao chegar em casa e ser colocado à força dentro de um veículo por três homens. “Dentro da Kombi, me batiam e me enforcavam. Enrolaram um pano no meu braço e colocaram fogo no meu cabelo e na minha sobrancelha”, contou o jovem, que teria perdido a consciência durante o ataque. Após cerca de 40 minutos de agressões, ele relata ter acordado em uma calçada e encontrado uma carta em seu bolso, que, entre outras coisas, dizia: “Esse foi apenas o primeiro da cidade a passar pela purificação.”

Homossexual assumido, ele já havia sido agredido por dois homens na semana passada e acredita ser alvo de homofobia. O caso foi registrado na 4ª Delegacia de Polícia de Betim, e é investigado como tentativa de homicídio. O delegado Rafael Horácio vai apurar também a suspeita de crime religioso, em virtude do teor da carta apresentada pelo rapaz.

Versão

A vítima contou que chegava em casa, no centro, às 14h, quando uma Kombi branca de vidros escuros parou a seu lado e, dela, saíram dois homens, os mesmos que o teriam agredido cinco dias antes. “Eles estavam com facas e me obrigaram a entrar no veículo”.

Enquanto os dois homens o agrediam, principalmente no abdômen, um terceiro dirigia e fazia orações, segundo o jovem. “Eles pediam perdão pelos meus pecados, pediam que eu fosse salvo”. O rapaz contou ainda que os agressores enrolaram uma espécie de papel feito de lã, que poderia ser algodão, em seu braço e atearam fogo. A barba e os cabelos também foram queimados. “Desmaiei. Não sei se pelo cheiro da fumaça, pela dor ou pelo estresse do momento”.

Ele disse ter sido abandonado em uma rua próxima ao local onde foi abordado, de onde ligou para o namorado e um amigo, que o socorreram. No mesmo dia, foi à delegacia e mostrou a carta que teria sido deixada em seu bolso. O texto não faz menção a nenhuma religião, mas informa que a intenção é fazer uma “limpeza” em Betim, e trazer o fogo da purificação a cada um que anda nas ruas “declarando seu ‘amor’ bestial”.

O auxiliar administrativo denunciou o fato em seu Facebook, o que, segundo ele, foi uma tentativa de evitar outros casos. No fim da tarde de sexta-feira (19), ele saiu de casa, ainda com marcas da violência, para um retiro na região metropolitana. Conforme ele mesmo explicou, a intenção era “desligar a cabeça” e esquecer o que aconteceu.

Movimento

O presidente do Movimento Gay de Betim, Cléber Eduardo, lamentou a violência relatada pelo auxiliar administrativo. “A comunidade LGBT está assustada. Infelizmente, preconceito existe, mas esse é o primeiro fato dessa grandeza já registrado por nós na cidade. Repudiamos a violência”.

Cléber Eduardo informou que pretende, na próxima semana, organizar um ato em repúdio. “Vamos buscar parcerias com a OAB, a Câmara Municipal e os Direitos Humanos. Nossa luta é pela identificação dos suspeitos”.

Abordagem não é nova na cidade

O relato do auxiliar administrativo sobre a violência sofrida gerou grande repercussão nas redes sociais e até um comentário de que é comum casais gays serem abordados por grupos religiosos em Betim. A estudante de arquitetura Fernanda Gomes, 20, diz que já passou por uma situação dessas, mas sem agressão física.

Há dois anos, ela conta que estava com a ex-namorada em um ponto de ônibus, quando seis homens se aproximaram e começaram a condenar a união das duas. “Eles diziam que nosso namoro não era de Deus e ficavam falando partes da Bíblia”, relatou. Fernanda lembra que o grupo acompanhou as duas durante todo o trajeto no transporte coletivo, orando ao lado delas. “Encarei isso como uma falta de conhecimento. Mas minha ex-namorada ficou bem nervosa”.

A 4ª Delegacia de Polícia de Betim informou não ter outros registros de homofobia ou perseguição religiosa contra homossexuais.

Fundamentalismo

O doutor em ciência da religião Paulo Agostinho acredita que tem crescido no país o fundamentalismo religioso, que interpreta o texto sagrado sem levar em conta o contexto histórico.

“Em nome do fundamentalismo, essas pessoas têm a certeza de dizer que estão com a verdade e discriminam o que não acham certo. Essas pessoas passam por cima do mais importante da pregação religiosa, que é amar aos outros”.

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