Direitos humanos e diversidade sexual
   18 de julho de 2014   │     10:55  │  0

Artigo

Por: Luiz Mott: Doutor em Antropologia, professor da Universidade Federal da Bahia (FBA) e fundador do Grupo Gay da Bahia.

Nos últimos quatro mil anos da história humana, o Ocidente repetiu nas igrejas, escolas e dentro do lar que o amor entre pessoas do mesmo sexo era o maior de todos os pecados e que, por causa dessa “abominação”, Deus castigava a humanidade com pestes, inundações, terremotos etc.  Ainda hoje, cristãos e muçulmanos fundamentalistas atribuem o flagelo da Aids ao castigo divino contra a revolução sexual e o movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais), comprovando o quão arraigadas ficaram, nas trevas da ignorância coletiva, as supostas condenações bíblicas, reforçadas pela intolerância incendiária da Santa Inquisição, que condenava à morte os amantes do mesmo sexo. Só em 1830 que nosso primeiro Código Penal descriminalizou a homossexualidade, mas os delegados de polícia passaram a reprimir esses infelizes a que chamavam de “pederastas”, sob alegação de atentado ao pudor e aos bons costumes.

Como magistralmente disse a  psicóloga Evelyn Hooker, em vez de neutralidade científica, os médicos – e eu acrescentaria os advogados, juristas e juízes – passaram à vil condição de “cães de guarda da moral dominante”, substituindo os inquisidores na repressão aos amantes do mesmo sexo.  Foi nesta mesma linha repressora que outros pseudocientistas inventaram as abomináveis teorias racistas que serviram de base política para o nazismo, postulando a inferioridade natural dos negros, judeus, índios, mulheres e outras populações, assim como a existência de criminosos natos e do  “terceiro sexo”: mais de 300 mil homossexuais foram presos nos campos de concentração nazistas.

Há décadas, modernas e sólidas pesquisas multidisciplinares internacionais garantem que “a homossexualidade não constitui doença, distúrbio ou perversão”. Em 1993, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou da homossexualidade a condição de “desvio e transtorno sexual”. Em 1999, nosso Conselho Federal de Psicologia promulgou portaria confirmando a normalidade da homossexualidade, em tempo que condenou as teorias e terapias homofóbicas, opondo-se radicalmente ao absurdo projeto de “cura gay”, defendido pelo deputado e pastor Feliciano.

Ser LGBT não é doença, crime, nem pecado. Lastimavelmente, a homofobia, esse ódio irracional contra os homossexuais, é um câncer igual ao racismo. Todos têm de batalhar para que seja erradicada de nossa sociedade: o Brasil é o campeão mundial de assassinatos de LGBT, um “homocídio” a cada 26 horas, concentrando 44% de todos os crimes homofóbicos do mundo.

Pais e mães ainda repetem esse absurdo: “prefiro ter um filho ladrão a um filho gay”. Homossexuais são espancados em plena Avenida Paulista, sofrembullying nas escolas. A própria presidenta da República vetou um kit anti-homofobia, aprovado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), que deveria ter capacitado mais de seis milhões de jovens para respeitar a diversidade sexual.

Por que tanta intolerância e ignorância? Homofobia! Pesquisas revelaram que 79% dos brasileiros ficariam tristes se tivessem um filho ou filha homossexual; 56% mudariam sua conduta com o colega se soubessem que é gay; 56% não concordam que um candidato homossexual seja eleito presidente da república; 37% dos estudantes secundaristas não gostariam de ter colega LGBT e número ainda maior de pais e mães não aceitariam que seus filhos convivessem com colegas homoafetivos.

Para que gays, lésbicas e transgêneros brasileiros tenham sua plena cidadania respeitada, o movimento LGBT considera vital e urgente a adoção destas  medidas:

(1) descriminalizar de vez a homossexualidade no que se refere ao trato que a polícia e a justiça dão às minorias sexuais, aprovando-se leis que condenem a discriminação sexual com o mesmo rigor que o crime de racismo;

(2) desconstruir os tabus religiosos que demonizam o amor entre pessoas do mesmo sexo, promovendo-se pastorais específicas voltadas para as minorias sexuais;

(3) superar a homofobia individual e coletiva – que impede a sociedade heteronormativa reconhecer os direitos humanos e a diversidade das minorias sexuais -, criando sentimentos de tolerância dentro das famílias para que respeitem a livre orientação de seus filhos e parentes homossexuais;

(4) divulgar informações corretas e positivas a respeito da homossexualidade e transexualidade, desmascarando as falsas teorias que a definem como  patologia;

(5) exigir que os órgãos governamentais efetivem políticas públicas visando ao desenvolvimento da autoestima, consciência e saúde integral dos LGBT através de campanhas específicas de prevenção de DST/Aids e de garantia de sua segurança e cidadania plena;

(6) estimular a população LGBT assumir publicamente sua identidade existencial, lutando pela construção de uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária, onde todos possam ter reconhecidos seus direitos humanos e cidadania integral.Direitos humanos são universais – não podem excluir nenhuma pessoa ou comunidade. Os LGBT também são seres humanos e devem se beneficiar da plena cidadania como todos os demais brasileiros. Direitos iguais: nem menos, nem mais!

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