Nessa quarta-feira, 19, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) protocolará um projeto de lei que, entre outras importantes mudanças na política de drogas do Brasil,
- regula a produção e comercialização da maconha e seus derivados, tornando a Cannabis uma droga lícita com uma regulação e restrições semelhantes às do álcool e o tabaco;
- descriminaliza a posse de qualquer tipo de drogas, inclusive as ilícitas, para consumo pessoal, assim como autocultivo;
- dispõe sobre políticas de redução de danos para usuários de todo tipo de drogas;
- estabelece um novo sistema para a classificação de drogas lícitas e ilícitas baseado em critérios técnico-científicos, pesquisas de campo e dados estatísticos;
- cria um conselho nacional assessor sobre política de drogas com participação da sociedade civil e da comunidade científica, que deberá elaborar relatórios anuais e poderá propor a legalização e regulação de outras drogas atualmente ilícitas;
- faz alterações na legislação penal sobre tráfico de drogas ilícitas que buscam reorientar e tornar mais eficazes as políticas de perseguição das atividades criminosas relacionadas ao tráfico, principalmente aquelas que incluem atos de violência;
- muda o paradigma da prevenção do uso problemático de drogas e do tratamento de dependentes químicos sob a perspectiva dos direitos humanos, a autonomia individual e a saúde pública e proíbe a internação compulsória de usuários de drogas.
O projeto foi elaborado com a participação e colaboração de diferentes entidades, especialistas na matéria e militantes dos movimentos sociais que lutam por mudanças nas políticas de drogas e contribuíram na construção da proposta que Wyllys apresenta hoje ao Congresso, esperando que seja o pontapé inicial de um amplo debate social que começa, mas não acaba com essa proposta.
Na justificativa do projeto, o deputado explica que «o projeto não pretende “liberar” o comércio da maconha, mas regulá-lo. Aliás, ele está, hoje, na prática, “liberado”, assim como o comércio de todas as outras drogas atualmente proibidas. Existe, por um lado, uma legislação que o proíbe e o criminaliza, cuja ineficácia prática é incontestável, e por outro lado, todo um sistema de produção e comercialização da maconha que funciona, sem qualquer impedimento, no mundo real. Isso é fato. Com independência da ação punitiva do Estado, esse sistema continua funcionando e cada pessoa que é presa ou executada sem direito de defesa pela polícia ou por uma facção rival — quase sempre pobres, favelados e na maioria dos casos jovens e negros; quase sempre aqueles que têm a menor responsabilidade e os menores lucros, na ponta — é substituída por outra sem atrapalhar ou impedir a continuidade do circuito. Milhares de pessoas morrem por causa disso, milhares vivem armadas, clandestinas, exercendo a violência, muitas são presas e, na cadeia, submetidas a condições desumanas e a situações de violência idênticas ou piores às que sofriam em “liberdade”, mas o sistema continua funcionando. O Estado “regula” esse sistema de maneira informal e clandestina, através de uma rede de cumplicidades que envolvem as forças de segurança e os poderes públicos. E a maconha (como as outras drogas atualmente ilícitas) é importada, plantada, produzida, industrializada, vendida e comprada de forma ilegal sem que o Estado consiga, em momento algum, que isso deixe de acontecer, como não conseguiram as legislações contra o álcool, nos EUA, que o uísque deixasse de ser produzido e vendido, mas, ao colocá-lo na ilegalidade, fomentaram a criação de um circuito de violência (e a falta de controle de qualidade do produto, com graves consequências para a saúde pública) que só foi superado com a legalização, admitido o fracasso absoluto da mesma política que depois foi ressuscitada para seu uso com outras drogas semelhantes ao álcool, que foram convenientemente cercadas de pânico moral e estigmatização, em muitos casos por motivos raciais ou políticos».
«O comércio da maconha funciona, na prática, sem controle. Ninguém sabe a composição dos produtos que são vendidos, sua qualidade não passa por qualquer tipo de fiscalização nem precisa se adequar a nenhuma norma, o consumidor não recebe qualquer tipo de informação relevante para a sua saúde e segurança, diversos processos de industrialização (como o prensado de maconha para fumo com amônia, altamente tóxica) são realizados sem qualquer fiscalização. Não há restrições à venda que impeçam o acesso dos menores de idade a esse comércio ilegal — seja como compradores, seja como vendedores ou “soldados” do tráfico — e tudo isso funciona sob o império da violência, das guerras de facções, da corrupção e brutalidade policial e do descaso e/ou da impotência do poder público. A proibição não acabou e nem acabará com o comércio ilegal de drogas, mas produz outros efeitos, infinitamente piores do que aqueles que diz combater ou prevenir», ressaltou Wyllys.
No mesmo sentido, o deputado explica que «este projeto de lei propõe regras para a produção e comercialização da maconha baseadas em critérios técnicos e científicos, bem como nas experiências de políticas públicas que foram bem sucedidas em outros países. E seu efeito não será o aumento ou a redução da quantidade de usuários ou de comerciantes, nem do volume da maconha comercializada, mas incidirá, sim, e positivamente, na sua qualidade, porque a Cannabis, derivados e produtos de Cannabis deverão ser elaborados de acordo com determinadas normas e serão fiscalizados; haverá condições e restrições para sua produção e comercialização, se estabelecerão regras semelhantes às que regulam o comércio legal de álcool e tabaco; se cuidará da segurança pública, facilitando a redução da violência e da criminalidade e se protegerá a saúde dos usuários, dando a eles a informação sobre aquilo que estão consumindo; além de trazer outros benefícios, como o recolhimento de tributos».
O projeto também propõe uma série de medidas para acabar com uma política que só tem produzido morte, violência e criminalização da pobreza. Ele dispõe uma anistia geral para “todos que, antes da sanção da presente lei, cometeram crimes análogos aos previstos na nova redação estabelecida para o artigo 33 da lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, sempre que a droga que tiver sido objeto da conduta anteriormente ilícita por elas praticada tenha sido a Cannabis, derivados e produtos de Cannabis”, excluindo desse benefício as pessoas que tenham praticado qualquer crime violento, mas oferecendo àqueles que foram condenados apenas pelo comércio de substâncias ilícitas a possibilidade de reinserção na legalidade como parte de uma política “de transição” entre o velho e o novo regime.
Por isso, o projeto também estabelece que aqueles que atualmente se dedicam ao comércio de drogas ilícitas — que, na maioria dos casos, inclui outras drogas além da maconha — mas ainda não foram acusados, indiciados, processados ou condenados por esses crimes, tenham a possibilidade de sair da “clandestinidade” e se inserir no mercado legal da Cannabis, abandonando a comercialização de outras substâncias ainda ilícitas, adequando-se em tudo à lei e às regulamentações que forem ditadas pelo Executivo e transformando-se em empreendedores de uma atividade legal.
«O Brasil precisa mudar o paradigma, porque as políticas atuais jamais surtirão efeito, como hoje não surtem. Se avaliarmos a eficiência dessas políticas em relação ao dinheiro empregado nelas e os danos terríveis que causaram, o erro fica evidente», afirmou o deputado.
Para ver o texto completo do Projeto de Lei, clique aqui.
Fonte: Assessoria de comunicação do Dep. Jean Wyllys