Modelos transexuais fazem sucesso no Brasil
   25 de março de 2014   │     0:00  │  0

Carol Marra, 26 anos, é uma das modelos bastante requisitadas e se tornou uma estrela. Já fez duas minisséries para a TV, criou sua própria linha de lingerie, é a primeira transexual a desfilar na Fashion Rio.

Quando era menino no interior do Brasil, Carol Marra observava seus pais corrigirem educadamente os estranhos que diziam quão bonita era a filha deles. Na adolescência, ela cobiçava os namorados de suas colegas de classe e usava roupas andróginas, trocando-as por roupas de homem no carro antes de voltar para casa.

Agora uma das favoritas entre a crescente classe de modelos transexuais do Brasil, Carol Marra, 26 anos, se tornou uma estrela. Ela participou de duas minisséries em grandes canais de televisão brasileiros, está lançando uma linha de lingerie e foi a primeira modelo transexual a desfilar no Fashion Rio –considerado um importante evento de moda nacional–, e também a primeira a posar para a revista “Trip”, uma revista brasileira de cultura que exibe mulheres nuas.

A popularidade dela aponta para os avanços notáveis, mesmo que precários, na cultura popular brasileira para Carol Marra e seu pequeno número de pares. Em um país que celebra publicamente sua mistura racial e herança multicultural, capitais cosmopolitas do Brasil como São Paulo e Rio de Janeiro se tornaram lugares onde atravessar as linhas de gênero é cada vez mais aceito. Mesmo assim, modelos transexuais dizem que o Brasil também é de muitas formas um país profundamente conservador, com fortes forças religiosas que criam um ambiente hostil para sua população gay e transexual.

“Dizem que o Brasil é um país liberal e progressista, mas não é bem assim”, disse Carol Marra, enquanto um cabeleireiro ondulava seu longo cabelo tingido de loiro no bairro nobre dos Jardins, em São Paulo, antes de uma gravação para a televisão.

A própria Carol Marra se transformou em uma história de sucesso para um crescente número de modelos transexuais que, como ela, migraram de regiões mais remotas para São Paulo, considerada o centro mais importante de moda da América do Sul.

“Quando cheguei, eu senti imediatamente a diferença”, disse Melissa Paixão, 22 anos, que veio para cá com 19 anos. Ela nasceu Robson Paixão, em Belo Horizonte, uma cidade mais tradicional no interior do Brasil. Na adolescência, ela ganhava um dinheiro extra posando como Marilyn Monroe e Audrey Hepburn em uma loja de lá e, ela disse, atraía olhares na rua, que ela atribui menos ao preconceito e mais por ser uma mulher de 1,80 metro.

Relativamente recém-chegadas como Melissa Paixão, Camila Ribeiro e Felipa Tavares têm conseguido trabalho nas passarelas e em catálogos no mercado de moda nacional. Camila Ribeiro desfilou na Fashion Rio pela Santa Ephigênia, uma grife de moda feminina de luxo. Melissa Paixão estará no futuro catálogo de Walério Araújo, estilista brasileiro conhecido por suas criações extravagantes e que já vestiu celebridades brasileiras como as cantoras Preta Gil e Maria Rita.

As modelos transexuais dizem que suas experiências apoiam a ideia de que o progresso para a obtenção da aceitação social é irregular, apesar da imagem de vale-tudo que o país projeta. Os movimentos gay e transexual do país foram retardados durante a ditadura militar que guiou o país de 1964 a 1985, anos em que movimentos semelhantes se enraizaram em outros países, dizem estudiosos dos direitos dos gays daqui.

A mudança de gênero tem uma longa história no Brasil: travestir-se em público atinge o pico a cada ano na celebração do Carnaval. A participação de homens em roupas de mulher e maquiagem rudimentar é uma tradição tanto quanto as competições de samba.

Apresentações drag por artistas transexuais e gays foram moda nas boates do Rio nos anos 50 e 60, e nas décadas subsequentes algumas mulheres transexuais começaram a usar tratamento hormonal e silicone para feminilizar seus corpos, segundo James N. Green, historiador e autor de “Beyond Carnival: Male Homosexuality in Twentieth-Century Brazil” [Além do Carnaval: homossexualidade masculina no Brasil do século 20].

O Brasil também tem dado cada vez mais apoio aos direitos dos gays. São Paulo promove uma das maiores paradas do orgulho gay do mundo e, desde 2010, a Justiça brasileira tem apoiado os direitos dos casais gays em uniões civis, adoções e casamento. Mas, uma proposta do governo de distribuir kits antidiscriminação nas escolas públicas foi derrotada depois que membros da bancada evangélica do Congresso se queixaram de seu conteúdo sexual.

E a violência e o preconceito contra os gays e transexuais continuam altos. O proeminente Grupo Gay da Bahia, de direitos dos gays, relatou 338 assassinatos, em todo o país, de gays, lésbicas e transexuais em 2012. Não é possível verificar os motivos de cada crime, mas muitas vítimas mostram sinais de tortura e múltiplos ferimentos, o que leva o grupo a acreditar que as mortes são com frequência resultado de crimes de ódio, disse Luiz Mott, antropólogo e historiador que fundou o grupo.

Enquanto modelos transexuais ganham proeminência, Green, o historiador, argumenta que o sucesso delas em beleza e moda –apesar de positivo para esses indivíduos– tem pouco valor político.

“Eu acho que significa que homens que se parecem com mulheres, desde que sejam submissos aos homens e se concentrem em beleza e moda, não ameaçam nada”, ele disse. “Isso se encaixa na fantasia dos homens.”

Algumas modelos se consideram altamente politizadas, enquanto outras dizem apenas querer serem aceitas como uma mulher, como qualquer outra.

Roberta Close, que posou para a revista “Playboy” em 1984, é considerada a primeira modelo transexual do Brasil e cultivou fãs dedicados do sexo masculino com sua estética de menina. A atriz Rogéria, nascida Astolfo Barroso Pinto, se tornou famosa após anos aparecendo na TV Globo.

Mesmo assim, a proporção de modelos transexuais é minúscula se considerado quão vasto é o setor de moda aqui.

A modelo transexual do Brasil com maior renome internacional –Lea T, nascida Leandro Cerezo e filha de um ex-astro do futebol, Toninho Cerezo– posou para uma campanha internacional da Givenchy em 2010. Ela também desfilou na São Paulo Fashion Week ao lado das supermodelos Gisele Bündchen e Alessandra Ambrosio, que são conhecidas por seu trabalho para a Victoria’s Secret.

Débora Souza, agente de modelos que representa Carol Marra, disse: “Uma modelo transexual é interessante porque pode atingir dois públicos: tanto o feminino quanto o gay, que formam o grupo principal no mundo da moda”.

Mas, assim que se aventuram além do mundo da moda, as modelos têm menos sucesso. Camila Ribeiro, 24 anos, que vem da cidade de Manaus, no Amazonas, posou para a “Candy”, que chama a si mesma de “a primeira revista transversal”. Mas, ela disse que, apesar de serem bem-vindas pelas revistas de moda e artísticas, experimentais ou de vanguarda, as modelos transexuais têm dificuldade para penetrar nas revistas populares de consumo, nos catálogos, feiras setoriais e em propagandas para produtos de apelo mais amplo. Carol Marra também disse que seu renome no mundo da moda não se transferiu para outros setores. Ela disse que recebe uma enxurrada de mensagens vulgares de homens na sua página no Facebook, frequentemente perguntando quanto ela cobra por noite.

“Eu nunca quis ser ativista de uma causa”, disse Carol Marra. “Eu achava que era uma mulher como qualquer outra.”

Mas, ela tem se manifestado mais após receber mensagens de transexuais de cantos mais remotos do país, como uma prostituta em Manaus que a viu na televisão e pediu orientação.

Carol Marra também se queixou de não receber tratamento justo na formação de elencos, dizendo que só lhe dão papeis de mulheres transexuais.

“A maioria dos atores é gay e pode interpretar o galã”, Carol Marra disse ao seu diretor na gravação de uma minissérie. “Por que não posso interpretar uma criada, uma secretária, uma árvore?”

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