‘A contravenção sustenta a história da sexualidade’
   21 de janeiro de 2014   │     0:00  │  0

 Artigo 

 

Por: Breno Rosostolato: Psicólogo e terapeuta sexual, natural do Rio de Janeiro mais reside em São Paulo

 

 

A concepção do sexo na humanidade sempre foi muito controversa. As práticas sexuais e a manifestação do desejo foram alvos de todos os ataques possíveis.

Muito embora a sexualidade se moldasse a cada época, e continua, nos tempos atuais, sofrendo transformações devido à cultura e ao momento histórico em que vive a sociedade.

O sexo sempre será controverso e inesgotavelmente fascinante, não só pelo prazer implícito à sua prática, mas também porque a humanidade se edificou através dele. A contravenção sustenta a história da sexualidade.

As doutrinas religiosas, entre elas o catolicismo, instituição que era predominante na vida moral e religiosa da sociedade, buscava manipular a vida das pessoas com o propósito de obter o controle da sexualidade. Sempre usou discurso condenatório, recorrendo à desaprovação de Deus, ou seja, a ideia de “danação divina”.

Mal necessário

O sexo era um mal necessário, porque a reprodução da sociedade é a continuidade do rebanho de Deus, assegurada, pela cópula. Mas, ao mesmo tempo, apodrecia a alma das pessoas desde que o prazer fosse consagrado.

É neste contexto que o casamento passa a ter a importância de certificar o controle desta sexualidade. O ascetismo religioso prega a aniquilação do prazer, considerando o corpo perdição ao pecado.

Mas, se por um lado a repressão da sexualidade foi a tônica em épocas medievais e na Idade Média, a mentalidade de alguns se mantém contrária às imposições religiosas e contrariam as regras sociais.

Daí o conceito contraventor, muito bem apropriado para aqueles que praticam o amor, cultivam o prazer e fazem da sedução o propósito de suas existências. Mais do que isso, os libertinos, se por um lado são classificados como promíscuos e de posturas morais questionáveis, por outro lado, ressignificaram as regras arbitrárias sobre o sexo rompendo com elas e dando vazão aos desejos.

Sade

Marques de Sade (1740-1814), escritor francês (foto) e a quem se atribui o termo sadismo, autor de livros polêmicos e considerados obscenos como A Filosofia na Alcova (1795), Justine (1791) e 120 dias de Sodoma (1785), elevou o libertino ao patamar de contraventor, um criminoso que corrompe as leis em prol das virtudes dos prazeres. Suas obras de caráter antirreligioso são carregadas com sarcasmo e ironia, satirizando os valores da sociedade de então.

O laicismo, crítica quanto à influência da religião na organização política, econômica e social nas sociedades, de (Nicolau) Maquiavel e (Francesco) Guicciardini, além dos personagens de (Giovanni) Boccaccio de Decamerão, escrito entre 1348 e 1353, davam a tônica da insatisfação com a repressão sexual em detrimento às arbitrariedades religiosas.

Revelavam a hipocrisia de uma sociedade que escondia suas intenções e perversões. A devassidão com embasamentos políticos, juízo moral e críticas sociais, fez dos libertinos aqueles que iniciaram, de fato, a revolução sexual.

Desejo

Sade defendia que o desejo é uma imposição da natureza, e o homem é um ser natural. Portanto, nada pode se sobrepor ao prazer. Mas o libertino vai muito além de fornicações. Todo o diálogo consistia em confrontar as escolhas diante da razão, esta voltada para a liberdade de opiniões.

O libertino se comportava de maneira livre, e os comportamentos libidinosos iam de encontro aos prazeres da carne, entendida por muitos como algo imoral. Fato. Mas no caso, a imoralidade foi a contrariedade a uma arbitrariedade religiosa, portanto, coexistente à moral.

A libertinagem não pode ser associada é à amoral. Partindo do pressuposto que moral são regras estabelecidas pela cultura, da educação e tradição, logo, a libertinagem é uma construção social.

Não confundir liberdade com libertinagem é uma afirmação enfadonha, partindo do princípio que não existe um limite para a liberdade. O limite é da pessoa, do indivíduo e a medida é muito particular. Os libertinos mostraram que a libertinagem é uma expressão contrária à opressão moral e religiosa.

Gosto ou desgosto

John Wilmot, Visconde de Roschester (1647-1680) e conhecido libertino inglês, já avisara em seu prólogo: “Não vão gostar de mim […], e não espero que gostem”.

Talvez seja difícil admitir que a libertinagem seja apenas uma consequência natural da liberdade, e que será, inevitavelmente, extrapolada. Talvez o mesmo raciocínio se aplique ao livre arbítrio, que é consagrado diante da proibição ao fruto proibido.

À medida que se reprime, também se incita à desabrochar. E assim caminhará o sexo e tudo que o cerca, o bem e com muita satisfação, e põe satisfação nisso, o mal necessário para uma sociedade ditatorial e preconceituosa.

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