Quénia terá o seu primeiro candidato assumidamente gay
   12 de novembro de 2012   │     0:00  │  1

“Dizem que sou um candidato com ‘questões’”, disse Kuria à IPS. Foto de Mike Elkin/IPS

David Kuria Mbote, primeiro candidato abertamente homossexual a um cargo público no Quénia, destacou em conversa com a IPS que a sua campanha não se limitará a defender os direitos de gays e lésbicas. Também procurará melhorar o acesso dos quenianos a cuidados médicos e educação adequados, bem como impulsionar o seu desenvolvimento econômico. Por Mike Elkin, da IPS.

“Temos muitas pessoas presas no círculo de pobreza”, disse Mbote à IPS. “O meu condado, Kiambu, não é o mais pobre do país, mas quem é pobre ali realmente o é. O que quero é criar pequenos projetos, como, por exemplo, um de cultivo de cenouras, para ajudá-los a sair da pobreza”, enfatizou.

Outro aspeto importante da sua campanha é dar “segundas oportunidades”, especialmente aos viciados em drogas e álcool. “A sua vida acaba se há rejeição de todos. Se eu tivesse acreditado em ideias predominantes sobre pessoas como eu, ter-me-ia dado por vencido. Por isso quero dizer às pessoas que não desistam”, ressaltou Kuria.

Num país onde a homofobia é a norma e a maioria dos gays e lésbicas mantém a sua opção sexual em segredo, Kuria, de 40 anos, disputará as eleições de março de 2013 como candidato independente para o Senado no condado de Kiambu, ao norte de Nairóbi. Ele competirá com dois outros experientes candidatos e também com os preconceitos dominantes neste país quanto à homossexualidade.

Em várias sondagens feitas no país nos últimos cinco anos, mais de 90% dos entrevistados disseram que a homossexualidade vai contra as suas crenças. Embora a Constituição de 2010 procure “preservar a dignidade dos indivíduos e das comunidades e promover a justiça social e a realização do potencial de todos os seres humanos”, o Código Penal castiga a homossexualidade com até 14 anos de prisão. Embora tenham havido poucas sentenças sobre isso, há muitos casos de polícias a exigir suborno a homossexuais sob a chantagem de os prender, denunciou Kuria, cofundador da Coligação de Gays e Lésbicas do Quénia.

Outro tema que interessa ao candidato é a prevenção e o tratamento da sida. Kuria apontou que muitos médicos quenianos marginalizam os pacientes homossexuais e que os gays neste país têm pouquíssima informação sobre a prevenção do vírus HIV (causador da sida). Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), até dezembro de 2011, 1,6 milhões de aproximadamente 40 milhões de quenianos vive com HIV. Kuria também dá ênfase à criação de políticas contra doenças não transmissíveis, como diabetes e cancro.

No Quénia, as únicas figuras públicas abertamente homossexuais são uns poucos ativistas, incluindo Kuria. Quando a IPS lhe perguntou por que decidiu tornar pública a sua orientação sexual numa sociedade com tantos preconceitos, citou a sua experiência quando tentou pressionar a Comissão Nacional contra a Sida para que incluísse os homens gays como um grupo de risco.

“No começo as mulheres encarregadas disseram que só queríamos chamar a atenção. Mas, depois de divulgada uma investigação sobre sida no Quénia e os seus modos de transmissão, começaram a entender o que dizíamos: os gays eram um grupo de alto risco”, contou Kuria. “E essa mesma mulher que nos disse que queríamos chamar a atenção tornou-se tão ativa a nosso favor que me assombrou. Ela mostrou-me que as pessoas podem mudar. Ver isso estimulou-me a fazer mais”, acrescentou.

A franqueza de Kuria em público sobre a sua opção sexual teve impacto em muita gente, especialmente considerando que se preparou para ser padre jesuíta entre os 13 e 27 anos, estudando teologia e filosofia. Desde que deixou o seminário, obteve diploma de mestrado em administração de empresas na Universidade de Nairobi, e em dezembro deste ano receberá o relativo a finanças. “Dizem que sou um candidato com ‘questões’”, afirma entre risos. “Não dizem que sou gay, dizem que tenho ‘questões’. No começo preocupava-me o facto de as pessoas me verem apenas como gay, mas, depois de 30 ou mais reuniões públicas, começaram a escutar. Se votarão em mim, ou não, é outra história, mas ao menos ouvem”, observou.

Combater os preconceitos das sociedades africanas sobre a homossexualidade não é nada fácil. O sul-africano Mike Waters é o único parlamentar abertamente gay do continente. O primeiro-ministro do Quénia e agora candidato presidencial, Raila Odinga, disse em um discurso, em novembro de 2010, que os homossexuais deveriam ser presos. No mês passado, o grupo defensor dos direitos dos homossexuais Kaleidoscope Trust convidou Kuria para falar num seminário sobre liderança.

Ali se reuniu com Christopher Robert Smith, o primeiro parlamentar britânico abertamente gay. “Ele disse-me para ater-me à minha mensagem, e que, se minha mensagem tivesse credibilidade, as pessoas me ouviriam”, disse Kuria. “David é um homem inspirador e valente, disposto a se levantar e se fazer notar num continente onde gerações de pessoas gays foram obrigadas a baixar a cabeça para não sofrer ataques físicos ou coisas piores”, disse o diretor executivo da Kaleidoscope Trust. Lance Price, a um jornal estudantil da Universidade de Oxford.

Nas redes sociais Facebook e Twitter, a campanha de Kuria gerou muitos comentários de ódio. Ele recebeu um ameaçador e-mail enviado dos Estados Unidos, que dizia “descanse em paz”. No entanto, Kuria assegura que não sofreu muitos problemas por causa da homofobia. Não viaja com guarda-costas, mas disse que isso poderá mudar se as sondagens lhe derem boas probabilidades conforme se aproximam as eleições.

Fonte: Esquerda.Net

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